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Coral milenar é ser mais velho dos mares
Formação de recife profunda com 4.200 anos é fonte de biodiversidade e pode ajudar a estudar o aquecimento global
Zona entre RS e SP é a quinta mais rica do mundo em corais do tipo; cientista quer fim da pesca de arrasto que ameaça espécime na região
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BOSTON
A criatura mais longeva dos
oceanos tem 4 milênios de idade e pode ser a mais nova ferramenta para o estudo das mudanças climáticas. Seu nome é
Leiopathes glaberrina, e ela é
um coral que habita águas profundas e frias mundo afora. Para desvendar seus segredos, um
grupo de cientistas recorreu a
todos os tipos de truques: de
submarinos sofisticados a
bombas atômicas.
O esforço se justifica, porque
os corais de profundidade formam ecossistemas únicos e
ainda pouco conhecidos -mas
já muito ameaçados. Eles são
verdadeiros oásis de biodiversidade nos abismos oceânicos,
concentrando até três vezes
mais seres vivos do que as áreas
em volta deles. E boa parte do
que os seres humanos comem
vem desses oásis.
"Cerca de 40% da pesca
mundial é feita em águas profundas", diz o biólogo catarinense Alberto Linder, da Universidade de São Paulo. Ele e
colegas dos EUA e do Reino
Unido apresentaram anteontem, durante a Reunião Anual
da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência),
em Boston, resultados de vários estudos sobre as bizarrices
dos corais de profundidade.
Reverso evolutivo
O próprio Linder se viu diante de uma dessas peculiaridades no seu doutorado, na Universidade Duke (EUA). Ele demonstrou que um grupo de corais profundos, os estilasterídeos, evoluiu ao contrário: em
vez de o surgimento desses seres vivos ter ocorrido em águas
mais rasas (com luz, calor e nutrientes), provavelmente tudo
teve início nas profundezas. Só
depois houve a invasão das
águas rasas -quatro vezes.
"Esta é a primeira evidência
robusta de que um grupo de
animais fez isso", afirmou.
Para chegar a essa conclusão,
Linder analisou o DNA de mais
de cem espécies de corais do
grupo (quanto mais seqüências
de DNA em comum, mais aparentados os organismos). Esse
exame mostrou que há 98% de
probabilidade de que o ancestral comum de todas as linhagens tenha vivido em águas
profundas. Somente entre 25
milhões e 15 milhões de anos
atrás é que os estilasterídeos
começaram a migrar.
O cientista da USP -que de
quebra identificou 25 novas espécies de estilasterídeos- diz
que a descoberta é fascinante
por ser contra-intuitiva. "As
áreas profundas também são
uma fonte de diversidade."
E o Brasil, que tem corais rasos pobres, é muito mais rico
abaixo dos mil metros de profundidade. Estudos demonstram que o litoral brasileiro,
entre o Rio Grande do Sul e
Santos (SP), é a quinta região
do mundo mais rica em espécies de corais profundos.
No entanto, eles estão sendo
destruídos pela pesca de arrasto antes de serem conhecidos.
A frota pesqueira literalmente
raspa o fundo do mar em busca
de camarões, fazendo terra arrasada dos corais. Pesquisadores que estudam esses animais
pensam até em pedir ao governo a proibição do arrasto em
águas profundas do Brasil.
Matusalém e a bomba
Brendan Roark, biólogo da
Universidade Stanford, tem um
argumento para pedir que seu
objeto de estudo seja preservado: respeito aos mais velhos.
Ele determinou a taxa de crescimento -e por tabela a idade- dos corais profundos, e
concluiu que esses seres devem
ser os mais antigos do mar.
Agora, será mais fácil usar esses corais de profundidade como testemunhas da mudança
climática. Os corais de água rasa, por exemplo, são usados o
tempo todo para registros do
clima milênios atrás, quando
não havia termômetros.
Roark, para resolver o problema da datação, lançou mão
das bombas testadas em 1957
pelos americanos. Os testes nucleares lançaram de repente
uma grande quantidade de carbono-14 (parente radioativo do
carbono) na atmosfera.
O cientista conseguiu provar
que a quantidade desse tipo de
carbono nos corais profundos
variava na exata proporção do
que foi visto na atmosfera com
a bomba: um pico e um declínio
em seguida. Portanto, os corais
não devem absorver carbono
dissolvido na água mas sim partículas orgânicas que caem da
superfície (e levam só algumas
semanas para chegar ao fundo).
Corais datados por Roark
atingiram idades que iam de algumas centenas a vários milhares de anos. A amostra mais velha crescia havia 4.200 anos.
A idade avançada se explica
pela taxa de crescimento lento
dos corais, de apenas alguns
milésimos de milímetro por
ano. E isso é mais um problema, porque um banco de corais
afetado pela pesca de arrasto
pode levar centenas de anos para se recuperar.
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