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PROGRAMA ESPACIAL
Relatório de investigação destaca problemas em rede elétrica e dispositivo de segurança do foguete
Comissão externa fiscalizará o novo VLS
SALVADOR NOGUEIRA
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O ministro da Defesa, José Viegas Filho, prometeu que todas as
recomendações do relatório final
do acidente com o VLS-1 (Veículo
Lançador de Satélites) serão seguidas. E a primeira delas pede a
criação de uma comissão externa,
exatamente com a função de fiscalizar a implementação das mudanças no programa do foguete.
O documento, preparado por
uma equipe liderada pelo brigadeiro-do-ar Marco Antonio Couto do Nascimento, conseguiu cercar a origem da falha que provocou a ignição prematura de um
dos propulsores do primeiro estágio do foguete. Não pôde esclarecê-la exatamente, mas mostrou
que, se um dispositivo mecânico
de segurança (DMS) existente na
primeira versão do VLS ainda fizesse parte do projeto, o acidente
poderia jamais ter acontecido.
O DMS era uma peça ligada aos
acionadores dos motores que
criava uma barreira física, não
permitindo que fossem ligados
inadvertidamente. Seu funcionamento irregular durante o primeiro vôo do VLS-1, em 1997, fez
com que o dispositivo fosse trocado por um outro, eletrônico, que
não foi suficiente para impedir o
disparo, iniciando o incêndio que
matou 21 técnicos em 22 de agosto de 2003, no Centro de Lançamento de Alcântara (MA). O acidente aconteceu às 13h26min06s,
e o propelente do foguete queimou por 40 segundos.
Linha de fogo
Quanto à causa exata do acionamento, a investigação se concentrou em duas hipóteses. A menos
provável sugere a passagem de
uma corrente elétrica pela "linha
de fogo" (cabo que leva o comando de acionamento até o propulsor). A mais provável é o surgimento de uma descarga eletrostática (provavelmente pela proximidade da linha de fogo a outros
fios da rede elétrica, sem a devida
proteção) no detonador.
Em meio à lista de recomendações que precisam ser implementadas antes da retomada do programa, há a
determinação de que o DMS deve
voltar a fazer parte do projeto.
Novos estudos tentarão esclarecer se uma corrente elétrica ou
uma descarga eletrostática foi a
responsável pelo acidente. Também será preciso revisar as redes
elétricas do lançador, a fim de evitar que correntes indesejadas voltem a fluir irregularmente.
Finalmente, a infra-estrutura
deverá ser totalmente revisada,
especialmente em Alcântara. E os
recursos para o desenvolvimento
do VLS-1 devem voltar a patamares aceitáveis -algo que estava
longe do ideal antes do acidente.
"Constata-se a existência de falhas latentes, associadas ao deficiente aporte de recursos humanos e financeiros durante a terceira e atual fase do programa espacial brasileiro, em sua vertente de
lançadores e tecnologias associadas", descreve o relatório.
As cifras ainda não estão fechadas, mas, segundo Viegas, o custo
para o primeiro ano de implementação das mudanças deve ser
da ordem de US$ 100 milhões
(quase um terço de tudo que já se
gastou com o VLS). Segue valendo o objetivo de realizar um novo
lançamento até 2006.
Além de Viegas e Couto, estiveram presentes à entrevista coletiva o comandante da Aeronáutica,
Luiz Carlos da Silva Bueno, o presidente da AEB (Agência Espacial
Brasileira), Luiz Bevilacqua, e o
ministro da Ciência e Tecnologia,
Eduardo Campos.
O relatório distribuído ontem
apenas sintetiza os quatro relatórios produzidos pelas subcomissões de fatores meteorológico,
material, operacional e humano.
Com 130 páginas, ele é modesto se
comparado às mais de 600 do relatório completo, com os depoimentos e documentos analisados
pela comissão de investigação durante seis meses de trabalho.
Embora aponte os mesmos problemas identificados na versão
completa, o documento distribuído é menos assertivo, menos narrativo e mais genérico. Viegas insistiu por três vezes, na coletiva,
na não-identificação de "falha ativa", ou erro que pudesse individualizar culpados pelo acidente.
"Essa coisa de não haver responsáveis não é bem assim", diz
Luciano Varejão, membro da comissão de investigação como representante das famílias das vítimas. "Houve erros gerenciais
muito graves na operação."
Parceria russa
Viegas também quis aproveitar
a ocasião para destacar que o programa espacial brasileiro está sendo orquestrado com o Ministério
da Ciência e Tecnologia, apresentando Eduardo Campos como
"amigo e colega de governo e de
programa espacial". Viegas foi o
único a dar declarações.
Além de seguir as recomendações, o ministro da Defesa disse
que serão buscadas parcerias internacionais para o programa.
Não confirmou explicitamente a
negociação com a Rússia para o
desenvolvimento do quarto protótipo do VLS. Mencionou apenas que "outras parcerias", além
do acordo comercial com a Ucrânia, estavam nos planos.
O primeiro-secretário da embaixada russa em Brasília, Victor
Golikhin, que esteve na platéia
durante a apresentação do relatório, confirmou à Folha que existem negociações entre a Defesa e a
agência aeroespacial russa.
Seria um trabalho de 20 meses,
quatro dos quais usados numa revisão crítica de todo o projeto, segundo a Folha apurou. Os russos
levariam cerca de US$ 1 milhão.
O trabalho começa, entretanto,
pela nomeação da comissão independente que irá fiscalizar o andamento dos trabalhos com o
VLS. "É um compromisso do governo Lula revitalizar o programa
espacial brasileiro", disse Viegas.
Serão convidados representantes
da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), da
ABC (Academia Brasileira de
Ciências) e da SBF (Sociedade
Brasileira de Física), além de um
representante das famílias.
Após a coletiva, a Folha perguntou ao brigadeiro Couto se ele
também foi convidado a participar. "Até agora não", disse ele.
Questionado sobre sua sensação
após quase sete meses de investigação, ele deu um suspiro e um
sorriso: "Acabou".
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