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PALEONTOLOGIA
Restos de seres vivos mais antigos do Brasil vão parar em calçamento; para cientista, não há risco ao patrimônio
Fósseis viram piso em shoppings paulistas
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Os fósseis mais antigos do Brasil
são pisoteados diariamente por
várias centenas de pessoas. Não se
trata, porém, de mais um caso de
desrespeito ao patrimônio: os restos pré-históricos fazem parte do
mármore que pavimenta dois
shoppings de São Paulo, e registram a existência de bactérias por
aqui há 2 bilhões de anos.
A rigor, os resquícios, conhecidos como estromatólitos, não são
as próprias bactérias mas resultam da ação delas. "A gente já sabia da presença deles no mármore
faz bastante tempo, mas acabou
tendo a idéia de trazer isso a público, porque é algo que as pessoas nem imaginam que esteja tão
perto", disse à Folha o geólogo
William Sallun Filho, 32, do Instituto Geológico da Secretaria do
Meio Ambiente do Estado de São
Paulo. Juntamente com Thomas
Fairchild, da USP, ele percebeu a
presença dos estromatólitos nos
shoppings Eldorado e Ibirapuera.
Segundo Sallun Filho, não foi
difícil reconhecer o local de origem do mármore que contém os
fósseis: uma pedreira em Minas
Gerais, na região de Ouro Preto,
que ele e Fairchild costumavam
visitar para estudos de campo. Os
estromatólitos ali datam do Paleoproterozóico, uma era na qual
grandes quantidades de oxigênio
foram injetadas na atmosfera da
Terra pela primeira vez.
Por trás dessa grande mudança
estão justamente organismos como os que criaram as estruturas
laminadas vistas hoje no mármore dos shoppings. As cianobactérias são micróbios muito simples,
com um papel geoquímico vital:
elas usam a luz do Sol para alimentar seu metabolismo e, como
subproduto, liberam oxigênio.
"Elas formavam uma colônia,
cuja existência dependia da luz e
de um ambiente de praia", explica
o geólogo. Em grego, "estromatólito" quer dizer algo como "tapete
de pedra", e uma olhada mais
atenta nas estruturas ajuda a explicar o porquê.
As cianobactérias usavam o
substrato debaixo da água rasa
para se multiplicar, formando
uma espécie de tapete microbiano, cheio de muco. Partículas que
flutuam na água e o carbonato de
cálcio dissolvido nela tendem a
ser capturados por esse limo,
afundando quando os microrganismos morrem. Novas gerações
bacterianas voltam a crescer por
cima desse sedimento, formando
nova lâmina de crescimento. Esse
processo, repetido ao longo de
milhões de anos, deu origem a
verdadeiras colunas de calcário,
criadas pela ação das bactérias.
Em alguns lugares do mundo,
como Shark Bay, na costa australiana (veja foto à direita) ou a Lagoa Salgada, no litoral do Rio de
Janeiro, o processo ainda está
acontecendo. As formas que podem aparecer são variadas, incluindo ramificações intrincadas,
mas uma das mais características
é a de abóbadas. Segundo Sallun
Filho, essa é provavelmente a que
assumiam os estromatólitos brasileiros de 2 bilhões de anos atrás.
Eles deviam ser modestos, "com
um máximo de cinco centímetros, como se fossem vários cocorutozinhos", compara.
Seres vivos mais complexos, como fungos ou algas "verdadeiras", também podem dar origem
a estromatólitos. Ambientes marinhos rasos ou lagoas salinas são
mais favoráveis ao estabelecimento deles, mas outros contextos
(como águas termais, por exemplo) também são possíveis.
Os visitantes do Shopping Eldorado, pelo visto, não têm idéia de
onde estão colocando os pés
quando passeiam pelo primeiro
andar do prédio. "Eu não acreditaria se me dissessem que eu estou
pisando nos fósseis mais antigos
do Brasil", afirmou a dona-de-casa Claudia Pacheco, 37. "Eu acredito!", intrometeu-se a filha de
Pacheco, Carolina, 7. "É uma coisa histórica. Eles deveriam fazer
um museu", opinou o advogado
Francisco Sigoia, 40.
O shopping estuda a criação de
um estande explicativo no local.
Para Sallun Filho, a exploração de
mármore na pedreira de origem
dos estromatólitos ainda não representa problemas, já que os fósseis são extremamente abundantes naquele local.
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