São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MEMÓRIA

Carreira aliou fama internacional na pesquisa e excelência no jornalismo

Reis foi brasileiro que mais fez por divulgação científica

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

José Reis, cientista e jornalista, foi sem dúvida alguma o brasileiro que mais fez pela divulgação da ciência no país. Conseguiu aliar uma importante carreira de pesquisador com reputação internacional ao trabalho de explicar ciência de modo didático através da imprensa. Escreveu na Folha a partir de 1947, quando o jornal se chamava "Folha da Manhã".
Reis conseguiu fazer um trabalho de qualidade em quantidades assombrosas: seus textos de divulgação científica são contados aos milhares. Desde 1992, quando foi criado o caderno Mais!, publicava lá sua coluna Periscópio. Tornou-se nome de prêmio ainda em vida. O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) concede anualmente o Prêmio José Reis de Divulgação Científica a instituições, jornalistas e cientistas. Ele também ganhou prêmios por seu trabalho de divulgação, como o Kalinga, entregue pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). Entre outros ganhadores desse prêmio estão o filósofo britânico Bertrand Russell e a antropóloga americana Margaret Mead.
Nascido no Rio de Janeiro em 12 de junho de 1907, foi o antepenúltimo dos treze filhos de Alfredo de Souza Reis e Maria Paula Soares Reis. Sua formação científica foi feita na Faculdade Nacional de Medicina (1925-30) e no Instituto Oswaldo Cruz (1928-29). Foi em seguida ao Rockefeller Institute, Nova York, se especializar em virologia, de 1935 a 36. Conheceu cientistas famosos e foi influenciado por eles. Já nessa época se preocupava com a disseminação do conhecimento: trabalhou no Rio como professor secundário.
Seu excelente currículo no Instituto Oswaldo Cruz fez com que fosse convidado para trabalhar como bacteriologista no Instituto Biológico de São Paulo. Aposentou-se do instituto em 1958.
Reis começou a pesquisar interessado basicamente no que se costuma chamar de "ciência pura", sem aplicações práticas imediatas. Mas passou a se interessar também pela ciência aplicada quando notou os problemas práticos que a avicultura no país tinha com doenças. Tornou-se um especialista em doenças de aves respeitado internacionalmente. Entre seus assistentes estava sua mulher, Annita Swenssen Reis. Seu Tratado de Ornipatologia, com participação de Annita e Paulo Nóbrega, foi exemplo dessa repercussão internacional.
Envolvido com a administração do Instituto Biológico, acabou adicionando a administração pública à sua lista de conhecimentos, publicações e serviços prestados -colaborou com reformas administrativas no governo paulista. Foi diretor geral do Departamento do Serviço Público durante cinco anos, nos governos de Fernando Costa e Macedo Soares.
Também foi o organizador e o primeiro diretor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, atual Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, da USP.
Reis foi um dos fundadores da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) em 1948, junto com intelectuais e cientistas como Maurício Rocha e Silva, Paulo Sawaya e Gastão Rosenfeld. Foi o primeiro secretário-geral da entidade e depois presidente de honra. Foi de novo eleito para presidir o órgão em 1979, mas problemas de saúde impediram que exercesse o cargo.

Jornalista
Seu trabalho na Folha foi além da divulgação de ciência. Foi diretor de redação do jornal de 1962 a 1967, quando pediu para deixar o cargo. Foi um período delicado. Após o movimento de 64 começaram perseguições políticas a cientistas, notadamente "a caça às bruxas" na USP. Reis se engajou pessoalmente na luta pela liberdade de expressão e na defesa dos perseguidos na universidade.
É difícil escolher uma obra mais representativa entre seus livros, dada a amplitude de seus interesses. Há desde "Methoden der Virusforschung", um resumo em alemão do que de mais moderno havia sobre os vírus em 1939, escrito com H. da Rocha Lima e Karl M. Silberschmidt.
Mas há também "A Cigarra e a Formiga", adaptação da fábula em que duas formigas de espécies brasileiras entram na história.
Reis fez traduções de livros variados -sobre a criatividade, a teoria da relatividade, os animais da América do Sul ou obras técnicas em agricultura ou didáticas.
A carreira de Reis parece à primeira vista a coleção de atividades muito diferentes, uma "aparente falta de unidade", como ele disse de si próprio certa vez. "Essa unidade, porém, sinto que ela existe. Não é a unidade de uma linha reta de quem segue sempre a mesma trilha de pesquisa do começo ao fim, mas é a unidade dos círculos crescentes que leva a procurar implicações cada vez maiores para o próprio conhecimento que vou adquirindo."


O jornalista Ricardo Bonalume Neto escreve sobre ciência e tecnologia desde 1985. Recebeu o Prêmio José Reis de Jornalismo Científico para o ano de 1990, concedido pelo CNPq, em 1991.


Texto Anterior: Repercussão
Próximo Texto: Repercussão
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.