|
Próximo Texto | Índice
MEDICINA
Neurocientista brasileiro na Universidade Duke (EUA) fecha parceria com Hospital Sírio-Libanês para fazer testes
Nicolelis quer ciborgue humano em 3 anos
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
O primeiro ser humano a movimentar um braço robótico apenas
com a força da própria mente poderá ser brasileiro -e se transformar em ciborgue num hospital de
São Paulo, dentro de três anos. Esse é o objetivo de uma parceria firmada ontem entre o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis,
44, da Universidade Duke (EUA),
e o Hospital Sírio-Libanês.
O hospital se comprometeu a
investir US$ 1 milhão nos próximos três anos. "Nada impede que
esse valor seja ampliado no decorrer do trabalho", disse o gastroenterologista Mauricio Ceschin, superintendente corporativo do Sírio-Libanês. O acordo, assinado
por Nicolelis em nome da ONG
Associação Alberto Santos Dumont de Apoio à Pesquisa, beneficiará também o instituto de neurociências que o pesquisador paulistano pretende fundar em Macaíba (RN), perto de Natal.
O investimento será, em grande
parte, destinado ao enfoque social
do instituto, que pretende oferecer educação integral e atendimento de saúde à população carente da região. Para o projeto,
Nicolelis primeiro tentou acertar
uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, mas o
cientista acabou optando pelo Sírio-Libanês, que segundo ele estava em maior sintonia com suas
preocupações sociais.
No acerto, os neurologistas do
Sírio-Libanês receberão treinamento para lidar com a tecnologia
de eletrodos e modelagem matemática que permitirá, segundo
Nicolelis, a transferência de informações do cérebro do paciente
para um membro robótico. A técnica poderia ajudar pacientes
com membros amputados, pessoas com lesões na coluna que as
tenham deixado paraplégicas ou
tetraplégicas ou os que perderam
a movimentação por doenças degenerativas do sistema nervoso.
"Vamos tentar fazer história",
resumiu Ceschin, que classificou
o pesquisador da Duke de "maior
cientista brasileiro vivo".
Com a macaca
A julgar pelos avanços obtidos
até agora com macacos, a possibilidade de que isso aconteça é bem
real. Desde o começo dos anos
2000, a equipe da Duke, que também inclui outros brasileiros, tem
dado salto após salto na criação
da chamada interface cérebro-máquina. O conceito em si é simples: capturar os impulsos elétricos que o cérebro usa para mandar mensagens aos membros e
transmiti-los para um braço ou
perna robóticos. "Mesmo em quadriplégicos, as áreas do cérebro que fazem
isso continuam ativas quando,
por exemplo, a pessoa sonha que
está se mexendo", diz Nicolelis.
O que o grupo conseguiu até
agora foi fazer com que macacos
resos e macacos-da-noite movimentassem braços robóticos articulados usando só os próprios
neurônios, conectados a uma rede de eletrodos. Hoje, os pesquisadores já "lêem" as informações
de cerca de 500 neurônios ao mesmo tempo. É muito mais do que
se conseguia anos atrás, mas ainda insuficiente, segundo Nicolelis,
para que movimentos complexos
e delicados (como agarrar um copo sem esmagá-lo) possam ser
comandados via máquina. Para
isso, ele calcula que a "leitura" da
atividade de milhares de neurônios seja indispensável.
Mesmo assim, Nicolelis disse
não considerar o prazo de três
anos otimista demais. "Na verdade, estamos sendo realistas e até
modestos. Podemos ter um protótipo pronto para testes em humanos em um ano e meio", disse.
Teste no país
O mais provável é que o procedimento cirúrgico seja feito no Sírio-Libanês, "em um jovem brasileiro", mas não necessariamente.
"O importante é fazer a coisa no
tempo certo, sem correr. Se precisarmos de quatro ou cinco anos
em vez de três, tudo bem."
A cautela é justificada, já que
ainda há uma bela lista de desafios
pela frente. É preciso um processador computacional potente, capaz de fazer toneladas de operações em paralelo, para traduzir as
mensagens dos neurônios em ordens eletrônicas para o membro
ciborgue. Além disso, esse processador precisa ser leve o bastante
para não onerar o paciente com
peso extra. Isso, claro, se o sujeito
realmente carregar o membro.
"Ele pode estar acoplado ao paciente, ao lado dele ou mesmo a
centenas de quilômetros de distância", afirma o pesquisador.
Outra pergunta ainda sem resposta se refere à segurança e durabilidade do procedimento. Os
pesquisadores ainda não sabem
qual seria a vida útil dos eletrodos,
e quais os efeitos de seu uso em
longo prazo para o córtex cerebral
(os macacos que o receberam, pelo menos, ainda estão saudáveis).
A equipe também trabalha em
outro desafio: fazer com que a informação do membro volte para
o cérebro -em outras palavras,
torná-lo sensível. "Num trabalho
que devemos publicar em breve,
conseguimos usar sensores de
pressão para simular a sensação
de tato", conta o cientista.
Próximo Texto: Panorâmica - Células-tronco: Governo elege projetos de pesquisa Índice
|