São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Marcelo Leite

É pau, é fogo, é Brasil

Se fosse votar, daria ipê, e não pau-brasil, como árvore-símbolo

N unca vi um pé de pau-brasil (Caesalpinia echinata), só mudas. Anos atrás, quem sabe num 3 de maio, uma churrascaria chique de São Paulo distribuiu espécimes para seus clientes.
Vai ver era Dia do Meio Ambiente, ou promoção da SOS Mata Atlântica, ou as duas coisas. Plantada em Santo Antônio do Pinhal (SP), na serra da Mantiqueira, não vingou. Deve ter sido a altitude, ou os invernos frios e secos. Afinal, ibirapitanga, arabutã, brasilete, pau-rosado, pau-vermelho, pau-de-pernambuco, árvore-do-brasil, ibiripitinga, sapão, imirá-piranga, muirapiranga, orabutã só dá em mata atlântica do Rio de Janeiro para cima.
Dava era gosto ver o povo saindo empanturrado do restaurante, a plantinha nas mãos, com cuidado e certa reverência, em especial as crianças. Algumas terão ouvido preleções de pais e avós sobre a árvore-símbolo do Brasil, cuja madeira é de cor vermelha como a brasa.
Há controvérsias. Para muita gente, a árvore-símbolo do Brasil é o ipê-amarelo (gênero Tabebuia, várias espécies com flores dessa cor). Ou ainda: aipê, ipê-amarelo-de-folha-branca, ipê-dourado, ipê-mamono, ipê-mandioca, ipê-ouro, ipê-pardo, ipê-da-serra, ipê-de-cerrado, ipê-vacariano, ipezeiro, pau-darco amarelo, tapioca... Houve um tempo em que a avenida Paulista era ladeada de ipês, de ponta a ponta (na memória, ao menos). Não havia canteiro central, só trilhos de bonde. As calçadas largas e parte do leito de paralelepípedos se cobriam de flores amarelas. Garoava.
Se fosse votar, daria ipê, e não pau-brasil, como árvore-símbolo do país. Combina mais com a bandeira. Está por toda parte, do cerrado ao Pantanal, da Amazônia à caatinga e à mata atlântica. Não falta ipê no Brasil. Na letra da legislação, porém, a controvérsia já foi resolvida. Em 1978, o pau-brasil foi declarado oficialmente "árvore nacional" pela lei n.º 6.607. A mesma lei instituiu o dia 3 de maio como o Dia do Pau-Brasil. Ninguém sabe, ninguém viu. O galho é que falta árvores de pau-brasil no Brasil. Os portugueses começaram a cortar logo quando chegaram, em 1500, e o machado praticamente não parou mais. Os troncos seguiam à Europa para extração do corante brasilina (C16H14O5), muito empregado na época para tingir panos de vermelho, em especial veludos.
Se precisar de duas indicações de leitura sobre pau-brasil, mata atlântica e história nacional, aqui vão -uma de ensaio, outra de romance: "A Ferro e Fogo" (Companhia das Letras), magistral reconstrução, por Warren Dean, do massacre da primeira floresta brasileira avistada; e "Vermelho Brasil" (Objetiva), de Jean-Christophe Rufin, sobre a França Antártica de Villegagnon.
A dizimação do pau-brasil é quase tão importante para entender o país quanto a escravidão. Como bem disse Dean: "A conservação dos recursos naturais iria mostrar-se irrelevante em uma sociedade na qual a conservação da vida humana era irrelevante". A boa notícia é que o pau-brasil agora está mais protegido. A Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas) aprovou a exigência de um certificado de origem para controlar o comércio internacional da madeira, como noticiou Claudio Angelo aqui na Folha.
O pau-tinta, do qual ninguém mais precisa para tingir tecidos, é cobiçado por luthiers para confeccionar arcos de violino e parentes eruditos. Já estava na lista do Ibama de espécies ameaçadas desde 1992. Agora fica mais protegido também no mercado mundial, globalizado às avessas. É pau, é fogo, é Brasil.

MARCELO LEITE é autor do livro "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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