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Marcelo Leite
É pau, é fogo, é Brasil
Se fosse votar, daria ipê, e não pau-brasil, como árvore-símbolo
N
unca vi um pé de pau-brasil
(Caesalpinia echinata), só mudas. Anos atrás, quem sabe
num 3 de maio, uma churrascaria chique de São Paulo distribuiu espécimes
para seus clientes.
Vai ver era Dia do Meio Ambiente,
ou promoção da SOS Mata Atlântica,
ou as duas coisas.
Plantada em Santo Antônio do Pinhal (SP), na serra da Mantiqueira,
não vingou. Deve ter sido a altitude,
ou os invernos frios e secos. Afinal,
ibirapitanga, arabutã, brasilete, pau-rosado, pau-vermelho, pau-de-pernambuco, árvore-do-brasil, ibiripitinga, sapão, imirá-piranga, muirapiranga, orabutã só dá em mata atlântica do
Rio de Janeiro para cima.
Dava era gosto ver o povo saindo
empanturrado do restaurante, a plantinha nas mãos, com cuidado e certa
reverência, em especial as crianças.
Algumas terão ouvido preleções de
pais e avós sobre a árvore-símbolo do
Brasil, cuja madeira é de cor vermelha
como a brasa.
Há controvérsias. Para muita gente,
a árvore-símbolo do Brasil é o ipê-amarelo (gênero Tabebuia, várias espécies com flores dessa cor). Ou ainda:
aipê, ipê-amarelo-de-folha-branca,
ipê-dourado, ipê-mamono, ipê-mandioca, ipê-ouro, ipê-pardo, ipê-da-serra, ipê-de-cerrado, ipê-vacariano, ipezeiro, pau-darco amarelo, tapioca...
Houve um tempo em que a avenida
Paulista era ladeada de ipês, de ponta
a ponta (na memória, ao menos). Não
havia canteiro central, só trilhos de
bonde. As calçadas largas e parte do
leito de paralelepípedos se cobriam de
flores amarelas. Garoava.
Se fosse votar, daria ipê, e não pau-brasil, como árvore-símbolo do país.
Combina mais com a bandeira. Está
por toda parte, do cerrado ao Pantanal, da Amazônia à caatinga e à mata
atlântica. Não falta ipê no Brasil.
Na letra da legislação, porém, a controvérsia já foi resolvida. Em 1978, o
pau-brasil foi declarado oficialmente
"árvore nacional" pela lei n.º 6.607. A
mesma lei instituiu o dia 3 de maio como o Dia do Pau-Brasil. Ninguém sabe, ninguém viu.
O galho é que falta árvores de pau-brasil no Brasil. Os portugueses começaram a cortar logo quando chegaram,
em 1500, e o machado praticamente
não parou mais. Os troncos seguiam à
Europa para extração do corante brasilina (C16H14O5), muito empregado na
época para tingir panos de vermelho,
em especial veludos.
Se precisar de duas indicações de
leitura sobre pau-brasil, mata atlântica e história nacional, aqui vão -uma
de ensaio, outra de romance: "A Ferro
e Fogo" (Companhia das Letras), magistral reconstrução, por Warren
Dean, do massacre da primeira floresta brasileira avistada; e "Vermelho
Brasil" (Objetiva), de Jean-Christophe Rufin, sobre a França Antártica
de Villegagnon.
A dizimação do pau-brasil é quase
tão importante para entender o país
quanto a escravidão. Como bem disse
Dean: "A conservação dos recursos
naturais iria mostrar-se irrelevante
em uma sociedade na qual a conservação da vida humana era irrelevante".
A boa notícia é que o pau-brasil agora está mais protegido. A Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas) aprovou a
exigência de um certificado de origem
para controlar o comércio internacional da madeira, como noticiou Claudio Angelo aqui na Folha.
O pau-tinta, do qual ninguém mais
precisa para tingir tecidos, é cobiçado
por luthiers para confeccionar arcos
de violino e parentes eruditos.
Já estava na lista do Ibama de espécies ameaçadas desde 1992. Agora fica
mais protegido também no mercado
mundial, globalizado às avessas.
É pau, é fogo, é Brasil.
MARCELO LEITE é autor do livro "Promessas do Genoma"
(Editora da Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência
em Dia (www.cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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