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ARQUEOLOGIA
Pesquisa sobre civilização do México aponta relação entre conflitos e complexidade das sociedades humanas
Hierarquia social gerou guerra, diz estudo
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
A guerra surgiu assim que as sociedades humanas se tornaram
mais complexas e segmentadas,
divididas em clãs. Em apoio a essa
teoria, arqueólogos americanos
acharam agora no México várias
provas de como se desenvolveram esses conflitos antigos.
A teoria foi criada pelo antropólogo Raymond Kelly, autor de um
livro sobre a origem da guerra. Estudando sociedades nativas em
todo o mundo, ele notou que as
que não tinham guerras eram
muito pequenas para serem divididas em segmentos.
Segundo Kelly, o homicídio
nessas "sociedades sem guerra" é
uma ofensa apenas individual. Já
a existência de clãs torna o homicídio uma ofensa ao grupo -exigindo vingança por meio da morte de um indivíduo qualquer do
outro clã. A guerra na sua forma
mais simples teria começado com
"raids" entre grupos rivais.
O "raid" é uma incursão na qual
os homens de uma tribo atacam
outra, matam, queimam, saqueiam e, em seguida, voltam para casa. Há antropólogos que não
classificam os "raids" como guerra, pois não haveria conquista de
território, nem soldados profissionais envolvidos. Há evidências
de "raids" no Egito em 10000 a.C.
e no norte do Iraque em 6500 a.C,
onde a densidade populacional
começava a ficar elevada.
Sítios zapotecas
Kent Flannery e Joyce Marcus,
do Museu de Antropologia da
Universidade de Michigan em
Ann Arbor (EUA), fizeram datações em vários locais da região de
Oaxaca, sul do México, onde se
desenvolveu a civilização zapoteca. Com isso eles puderam traçar
a evolução da guerra entre os zapotecas de cerca de 1300 a.C. a 500
d.C., dos primeiros "raids" associados à vida nas primitivas aldeias até a construção de um império territorial.
As descobertas completam os
estudos feitos por Charles Spencer e Elsa Redmond, do Museu
Americano de História Natural de
Nova York, que mostraram que o
primeiro Estado zapoteca só surgiu depois que a cidade de Monte
Albán conquistou a rival Tilcajete, em torno de 30 a.C.
Os achados estão descritos na
última edição da revista da academia de ciências norte-americana,
a "Proceedings of the National
Academy of Sciences", ou
"PNAS" (www.pnas.org), que
também inclui um comentário escrito por Charles Spencer.
Maior complexidade
"O que eles mostram no artigo é
que se pode ver como a guerra fica
mais complexa à medida em que
a sociedade que a pratica se torna
mais complexa", diz Spencer.
Os arqueólogos fizeram testes
em templos e casas queimados,
além de paliçadas que cercavam
posições defensivas em locais elevados. Foi datado o carvão encontrado em buracos dos postes da
paliçada defensiva em San José
Mogote. A paliçada foi queimada
em um ataque inimigo.
Os incêndios não eram acidentais. Segundo Joyce Marcus, fogos
acidentais apenas "cozinhavam"
a argila que cobria as casas, e os
postes de madeira eram retirados,
pois podiam ser reutilizados.
"Quando nós achamos os postes
completamente queimados, e o
fogo tão intenso que os muros de
terra vitrificavam, os especialistas
que nós consultamos nos disseram que o incêndio havia sido deliberado", declara Marcus.
Entre as imagens mais antigas
do continente estão desenhos em
baixo relevo em pedra que mostram prisioneiros mutilados e
com vísceras expostas.
"É notável que o exemplo mais
antigo conhecido de escrita na
América Central se encontra em
um monumento em San José Mogote, datado por carbono-14 entre
630 a.C. e 560 a.C., que mostra o
corpo nu de um prisioneiro cujo
coração foi retirado, com seu nome em hieróglifo zapoteca entre
os seus pés", afirma Spencer.
Uma estrutura belicosa dos zapotecas ("yàgabetoo") era feita
com caveiras dos inimigos penduradas em uma cerca. Uma delas, encontrada em La Coyotera,
foi datada entre 190 a.C. e 255 d.C.
"Era uma tática de terror, usada
para intimidar rivais e desencorajar rebeliões", diz Marcus.
Os "raids", e depois a guerra de
conquista territorial, foram elementos importantes na evolução
das sociedades do antigo México.
"Nós prevemos que outros locais
defensivos antigos serão encontrados em outros pontos do México. Não pensamos que Oaxaca tenha sido algo fora do comum, nós
achamos que ela exemplifica um
processo geral", diz Marcus.
"Com a aparição de sociedades
com chefes e desigualdade hereditária, os "raids" se tornaram ferramenta usada pelos chefes para
derrotar seus rivais e conseguir
mais recursos e população", diz.
Exército profissional
Quando Monte Albán se tornou
dominante em Oaxaca, além de
criado o primeiro Estado com
uma burocracia para administrar
o território conquistado, surgiu
um exército profissional, com oficiais nobres permanentes e soldados recrutados quando preciso.
O desenvolvimento da economia, em especial o da agricultura,
permitiu que uma classe de pessoas não precisasse trabalhar na
lavoura e fosse sustentada por
camponeses, dedicando-se unicamente ao governo ou às atividades guerreiras. "Em um certo sentido, sociedade e conflito grupal
evoluíram juntos, com "feedbacks" entre os dois", afirma a arqueóloga norte-americana.
Esse Estado primitivo, assim como seus equivalentes modernos,
dominava técnicas de intimidação para manter a população subjugada. Como diz Spencer, em vez
de vestígios mostrando uma rica
vida cerimonial, social e religiosa,
o que havia em muitos povoados
da região, como o de Cañada de
Cuicatlán, eram restos do poder
opressor do Estado zapoteca
-na forma de cercas com caveiras penduradas.
"O caso de Oaxaca é especialmente importante porque é um
exemplo de formação de um Estado primário, de primeira geração,
na qual a organização política da
sociedade evoluiu a partir de algo
que não era um Estado, para algo
que passou a sê-lo", diz Spencer.
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