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+ciência
AS MÁQUINAS EM XEQUE
Ali Fraidoon/Associated Press - 19.out.2002 - Stan Honda/France Presse - 11.mai.1997
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Vladimir Kramnik joga com o computador Deep Fritz, em partida que terminou empatada; ao lado, Gary Kasparov após a derrota para o Deep Blue, em 1997 |
Apesar dos resultados contra mestres enxadristas, é difícil dizer que
computadores atingiram o sonho da inteligência artificial
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Pierre Barthélémy
do "Le Monde"
Ao enfrentar o campeão mundial Vladimir
Kramnik, a informática confirmou sua vitória
histórica sobre Gary Kasparov, em 1997. De
agora em diante, ela já pode afirmar que joga
em pé de igualdade com o homem e até ousar passar no
célebre teste de Turing.
Após a derrocada de Gary Kasparov, o novo campeão
mundial, Vladimir Kramnik, conseguiu apenas empatar com o Deep Fritz. Será que devemos deduzir que a
máquina teve acesso a algum tipo de inteligência artificial? Com certeza não. O computador utiliza o método
da força do cálculo bruto para fazer frente ao enxadrista, cujo cérebro utiliza diversas faculdades. Dentro em
breve, por exemplo, técnicas de criação de imagens funcionais poderão registrar a totalidade da atividade cerebral de um ser humano, o que permitirá a visualização
dos recursos que ele explora. Os enxadristas artificiais já
conferem à máquina a capacidade de passar no teste de
Turing, que constata a presença de inteligência. Mas,
para Douglas Hofstadter, a complexidade do cérebro
continua distante dos programas de informática.
"Dentro de mais ou menos cinco anos, nenhum ser
humano será capaz de derrotar os melhores softwares
de xadrez." A previsão é do alemão Base, criador do
programa Deep Fritz. Ele acaba de enfrentar o campeão
mundial, o russo Vladimir Kramnik, na partida em oito
partes que aconteceu em 19 de outubro em Bahrein.
Após a histórica vitória do Deep Blue, o supercomputador de xadrez da IBM, sobre Gary Kasparov, em 1997,
este novo resultado positivo, desta vez obtido por uma
máquina bem menos potente, comprova o nível excepcional atingido no xadrez pelos jogadores artificiais, capazes de derrotar 99,9999% dos jogadores humanos no
planeta. Para Frederic Friedel, o 0,0001% restante não
vai resistir por muito tempo, devido à progressão mecânica que leva ao aperfeiçoamento dos programas e, sobretudo, ao aumento regular da velocidade dos processadores.
Debate falso
O sucesso dos softwares nessa área se
explica também pela relativa simplicidade das regras do
xadrez e pela soma de pesquisas efetuadas há várias décadas. Foi o matemático britânico Alan Turing, "pai" da
inteligência artificial, que, em seu artigo seminal datado
de 1950, propôs o desenvolvimento de programas que
jogassem xadrez, já que essa atividade abstrata tinha a
reputação elogiosa de ser um jogo "intelectual". Mas
uma questão se colocou desde o início: as máquinas que
praticam o jogo dos reis com o nível de grão-mestre podem, algum dia, pretender atingir algum grau de inteligência?
Como observava o matemático americano John Casti
em seu livro "Paradigmes Perdus" (Paradigmas Perdidos, InterEditions, 1991), "programas de software (...)
podem produzir resultados de aparência inteligente
num campo muito limitado, mas, fora desse campo,
um abismo os separa de qualquer coisa que se pudesse
descrever como pensamento".
Para Frederic Friedel, que trabalha nessa área há 20
anos, a discussão em torno da inteligência artificial que
os softwares teriam ou não é uma discussão falsa. "Uma
das coisas mais importantes que aprendemos com o xadrez eletrônico", diz ele, "é que a idéia segundo a qual os
programas pensariam como um ser humano é falsa.
Eles jamais o farão. Não obstante, vão se tornar inteligentes de outra maneira. É um erro tentar fazer um
computador pensar como um ser humano ou tentar fazê-lo utilizar as mesmas estratégias que nós. Um computador é uma entidade diferente de um cérebro humano. Se você quiser bons resultados no xadrez, terá de
produzir uma máquina que jogue xadrez, não uma que
imite o raciocínio humano. Os programadores descobriram uma segunda maneira de jogar xadrez no planeta. A primeira consiste em utilizar a massa cinzenta
contida em nossas cabeças, explorar seus bilhões de
processadores, que são muitos, mas extremamente lentos. A segunda consiste em usar um processador rapidíssimo, que fará alguma coisa de diferente."
Assim, os softwares não raciocinam, não elaboram
planos. Eles somam, subtraem e comparam números,
milhões e milhões de vezes. Exploram laboriosamente
todos os recursos da posição, sendo que um grão-mestre tenta analisar apenas algumas sequências de movimentos que sua experiência faz crer que seriam os mais
promissores.
A abordagem da inteligência artificial que procura
modelar e reproduzir o raciocínio humano foi explorada no xadrez, "mas não teve bons resultados", recorda
Frederic Friedel. Um exemplo: a fabricação de um avião
capaz de atravessar o oceano Atlântico. Em lugar de se
esforçar em vão para fazer a aeronave bater as asas, por
que não simplesmente aceitar que, para o avião, o melhor é ter asas rígidas?
Existem certos inconvenientes, é verdade. Por exemplo, não é possível aterrissar um avião de asas fixas
sobre uma árvore. Mas, em contrapartida, pode-se
atravessar o oceano em questão de horas.
Determinar a inteligência
Assim, a abordagem
do cálculo puro saiu vitoriosa, a ponto de, pelo menos no xadrez, os softwares terem passado com sucesso no teste de Turing. Para determinar se uma
máquina é inteligente ou não, Turing imaginou um
teste ao qual chamou de "jogo da imitação" e que utiliza dois jogadores: um humano e um programa de
conversa. Um segundo humano atua como juiz. Isolado numa sala, o segundo humano formula perguntas diversas aos dois jogadores, sem saber qual é homem e qual é máquina.
Turing dizia que, se em pelo menos 50% dos casos
o juiz fosse incapaz de distinguir o homem do computador, então esse último poderia ser considerado
uma entidade inteligente.
Na partida disputada em Bahrein, o grão-mestre
inglês Daniel King explicou que "basta olhar as partidas para saber quem era Kramnik e quem era Deep
Fritz". Em compensação, "se tivessem me dado uma
série de partidas anônimas, sem que eu soubesse se
elas tinham sido jogadas por dois humanos, um humano e um computador ou dois computadores, eu
provavelmente teria dificuldade em fazer a identificação".
Tradução de Clara Allain
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