São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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Micro/Macro

Uma lua muito exótica

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Júpiter, o planeta gigante do Sistema Solar, tem 39 luas conhecidas. Só em 2001, foram descobertas 11. Algumas delas são extremamente exóticas, como é o caso de Io, que tem vulcões ativos jorrando compostos sulfurosos a 300 quilômetros de altitude. E isso em um corpo celeste apenas um pouco maior do que a nossa Lua, que, em comparação, é extremamente inerte e passiva.
Devido a sua órbita muito alongada em torno de Júpiter, a atração gravitacional entre Io e o planeta em torno do qual o satélite gira tem enormes variações: quanto mais perto de Júpiter, maior a força gravitacional sobre Io. (E sobre Júpiter, já que, como diz a terceira lei de Newton, a cada ação corresponde uma reação igual em sentido contrário. O leitor certamente já experimentou a eficácia dessa lei ao dar uma topada em uma pedra. Só que Júpiter não se abala muito com a atração exercida por Io.)
A atração gravitacional exercida por Júpiter sobre Io é tão gigantesca que o nível de sua superfície sofre variações de mais de cem metros. Só como comparação, o efeito de marés aqui na Terra pode provocar uma variação no nível do mar de uns 18 metros, no máximo.
O exemplo de Io mostra como o foco da exploração atual do Sistema Solar foi ampliado nas últimas décadas, englobando hoje não só os planetas, mas, também, as suas luas, corpos celestes de grande individualidade, mundos estranhos e fascinantes. Apesar dos dramáticos estertores de Io, a lua mais fascinante de Júpiter para mim é outra, conhecida como Europa.
Tanto Io quanto Europa foram descobertas em 1610, quando o grande cientista italiano Galileu Galilei apontou o seu telescópio para os céus. Ele percebeu quatro objetos orbitando Júpiter, as suas quatro maiores luas. Muito esperto, Galileu apressou-se em chamar as novas luas de "estrelas de Medici", na tentativa (que funcionou muito bem) de conquistar o favor do poderoso líder de Florença, Cosimo 2º de Medici. O que passou despercebido para Galileu e, até há pouco tempo, para todos os astrônomos, foram justamente as exóticas propriedades dos satélites jovianos, u seja, de Júpiter.
A sonda espacial Voyager-2 capturou imagens impressionantes de Europa. Para começar, ao contrário das outras três grandes luas de Júpiter (que incluem, fora Io, Ganimede e Calisto), Europa não tem crateras. A sua superfície é relativamente lisa, com traços alongados aparentando veias varicosas. Análises mais detalhadas mostram que a superfície de Europa é composta por uma camada de gelo de aproximadamente cinco quilômetros de espessura.
O mais interessante é o que existe abaixo dessa camada: um oceano, provavelmente de água salgada, com pelo menos 50 quilômetros de profundidade. As ranhuras na superfície provavelmente são cicatrizes de fraturas que ocorrem ocasionalmente, causadas por variações gravitacionais como as sofridas por Io. Uma vez aberta uma fissura na superfície, a água escapa das entranhas de Europa, congelando quase que imediatamente.
Um mundo aquático, como no clássico de ficção científica soviético "Solaris", de Andrei Tarkovsky. Nesse filme, o planeta aquático era uma entidade viva, capaz de materializar os desejos inconscientes das pessoas. Não acredito que Europa chegue a tanto, mas certamente a presença de água líquida transformou-a em um dos melhores candidatos para a existência de vida extraterrestre.
Infelizmente, um projeto que levaria uma sonda com uma broca especial até Europa para colher amostras de sua água foi cancelado pelo governo Bush, que no momento prefere explorar o petróleo iraquiano. Mas os cientistas interessados em Europa não se deram por vencidos.
Uma nova proposta está sendo estudada, em que a sonda a ser enviada não é maior do que uma bola de basquete. Seu objetivo não é extrair uma amostra da água de Europa, mas confirmar de fato a sua presença através de estudos das vibrações sísmicas da lua joviana. Caso o projeto vingue e a presença de água salgada em Europa seja confirmada, será impossível ignorar os seus mistérios.


Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"


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