São Paulo, segunda-feira, 17 de dezembro de 2001

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ANTÁRTIDA

Navio aporta em ilha onde explorador britânico viveu por quatro meses após perder sua embarcação, em 1915

Expedição estuda o refúgio de Shackleton

CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL À ANTÁRTIDA

Na manhã da última terça-feira, o NApOc (Navio de Apoio Oceanográfico) Ary Rongel chegou à costa da ilha Elefante, 120 milhas (216 km) ao norte de Rei George, onde ficaria até o fim da semana realizando sondagens do fundo do mar para o aprimoramento da carta náutica da região.
Situada na entrada do mar de Weddell, uma vastidão de águas gélidas a leste da península, Elefante é a porção mais setentrional das Shetlands do Sul. E uma parte importante da história do continente. Suas praias guardam a memória da maior aventura antártica já realizada: a viagem do explorador britânico Ernest Shackleton a bordo do navio Endurance.
Foi em Elefante que ele e seus homens desembarcaram em abril de 1915, após passar quase seis meses sobre a banquisa (plataforma de mar congelado) de Weddell, tendo perdido o Endurance esmagado pela pressão do gelo. Os integrantes da expedição viveram lá por quatro meses, comendo pinguins, até seu resgate.
Sir Ernest Shackleton foi um dos pioneiros da exploração do continente. Ele acompanhou a primeira viagem de Robert Scott (o segundo homem a atingir o pólo Sul) à Antártida em 1901 e, seis anos depois, a bordo do Nimrod, liderou a expedição que descobriu a geleira Beardmore, rota pela qual Scott iria ao pólo em 1912.
Ao ter notícias, em 1913, da conquista do pólo pelo norueguês Roald Amundsen, Shackleton resolveu então propor a primeira travessia da Antártida. A partida foi em 11 de agosto de 1914, com mais 27 homens e cerca de 50 cães a bordo do Endurance (resistência, em inglês). O navio era um dos melhores da época, com casco reforçado para suportar o gelo.
Não bastou. A banquisa de Weddell aprisionou o Endurance em abril de 1915 e, mais tarde, o navio foi esmagado pelo gelo. A única saída para Shackleton seria percorrer 560 km a pé, entre as placas de gelo, para alcançar a ilha Paulet, a leste da península.

Vivendo no gelo
Não seria uma tarefa simples. Além dos cachorros, de toneladas de comida e de 28 homens que teriam de se manter vivos durante a travessia, seria preciso arrastar três barcos salva-vidas de trenó pelo gelo, já que eram a única chance de voltar à civilização.
Os meses que se seguiram seriam de fazer o mais corajoso viajante polar dos dias de hoje parecer um molenga. Com as roupas permanentemente molhadas, comida racionada e um fogão que funcionava à base de gordura de foca, Shackleton e seus homens passaram a se alimentar de cães, panquecas feitas com ração de cachorro e a fétida gordura de foca.
Após seis meses sobre a banquisa, Shackleton lançou-se ao mar para alcançar Paulet, mas um vento o desviou da rota. A última esperança antes de chegar à imensidão do oceano Austral, onde certamente morreriam, seria a ilha Elefante, onde o grupo desembarcou em 15 de abril de 1916.
Mas o pior estava por vir. Sem esperança de resgate em Elefante, o comandante decidiu partir com um dos barcos para a ilha Geórgia do Sul, 1.300 km ao norte, cruzando a temida passagem de Drake.
A travessia durou quase três semanas. No começo da viagem, uma onda invadiu o barco e misturou sal ao suprimento de água doce. A Geórgia do Sul, onde havia uma estação baleeira, foi finalmente alcançada em 10 de maio.
O resgate dos 22 homens em Elefante só seria feito quatro meses depois pelo rebocador chileno Yelcho. Até hoje os chilenos se orgulham disso -e usam o resgate como argumento para suas pretensões territoriais no continente.


Os jornalistas Claudio Angelo e Toni Pires viajam pela Antártida a convite da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar


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