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ANTÁRTIDA
Navio aporta em ilha onde explorador britânico viveu por quatro meses após perder sua embarcação, em 1915
Expedição estuda o refúgio de Shackleton
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL À ANTÁRTIDA
Na manhã da última terça-feira,
o NApOc (Navio de Apoio Oceanográfico) Ary Rongel chegou à
costa da ilha Elefante, 120 milhas
(216 km) ao norte de Rei George,
onde ficaria até o fim da semana
realizando sondagens do fundo
do mar para o aprimoramento da
carta náutica da região.
Situada na entrada do mar de
Weddell, uma vastidão de águas
gélidas a leste da península, Elefante é a porção mais setentrional
das Shetlands do Sul. E uma parte
importante da história do continente. Suas praias guardam a memória da maior aventura antártica já realizada: a viagem do explorador britânico Ernest Shackleton
a bordo do navio Endurance.
Foi em Elefante que ele e seus
homens desembarcaram em abril
de 1915, após passar quase seis
meses sobre a banquisa (plataforma de mar congelado) de Weddell, tendo perdido o Endurance
esmagado pela pressão do gelo.
Os integrantes da expedição viveram lá por quatro meses, comendo pinguins, até seu resgate.
Sir Ernest Shackleton foi um
dos pioneiros da exploração do
continente. Ele acompanhou a
primeira viagem de Robert Scott
(o segundo homem a atingir o pólo Sul) à Antártida em 1901 e, seis
anos depois, a bordo do Nimrod,
liderou a expedição que descobriu a geleira Beardmore, rota pela qual Scott iria ao pólo em 1912.
Ao ter notícias, em 1913, da conquista do pólo pelo norueguês
Roald Amundsen, Shackleton resolveu então propor a primeira
travessia da Antártida. A partida
foi em 11 de agosto de 1914, com
mais 27 homens e cerca de 50 cães
a bordo do Endurance (resistência, em inglês). O navio era um
dos melhores da época, com casco reforçado para suportar o gelo.
Não bastou. A banquisa de
Weddell aprisionou o Endurance
em abril de 1915 e, mais tarde, o
navio foi esmagado pelo gelo. A
única saída para Shackleton seria
percorrer 560 km a pé, entre as
placas de gelo, para alcançar a ilha
Paulet, a leste da península.
Vivendo no gelo
Não seria uma tarefa simples.
Além dos cachorros, de toneladas
de comida e de 28 homens que teriam de se manter vivos durante a
travessia, seria preciso arrastar
três barcos salva-vidas de trenó
pelo gelo, já que eram a única
chance de voltar à civilização.
Os meses que se seguiram seriam de fazer o mais corajoso viajante polar dos dias de hoje parecer um molenga. Com as roupas
permanentemente molhadas, comida racionada e um fogão que
funcionava à base de gordura de
foca, Shackleton e seus homens
passaram a se alimentar de cães,
panquecas feitas com ração de cachorro e a fétida gordura de foca.
Após seis meses sobre a banquisa, Shackleton lançou-se ao mar
para alcançar Paulet, mas um
vento o desviou da rota. A última
esperança antes de chegar à imensidão do oceano Austral, onde
certamente morreriam, seria a
ilha Elefante, onde o grupo desembarcou em 15 de abril de 1916.
Mas o pior estava por vir. Sem
esperança de resgate em Elefante,
o comandante decidiu partir com
um dos barcos para a ilha Geórgia
do Sul, 1.300 km ao norte, cruzando a temida passagem de Drake.
A travessia durou quase três semanas. No começo da viagem,
uma onda invadiu o barco e misturou sal ao suprimento de água
doce. A Geórgia do Sul, onde havia uma estação baleeira, foi finalmente alcançada em 10 de maio.
O resgate dos 22 homens em
Elefante só seria feito quatro meses depois pelo rebocador chileno
Yelcho. Até hoje os chilenos se orgulham disso -e usam o resgate
como argumento para suas pretensões territoriais no continente.
Os jornalistas Claudio Angelo e Toni
Pires viajam pela Antártida a convite da
Secretaria da Comissão Interministerial
para os Recursos do Mar
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