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São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 2003

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MEDICINA

Nematóide descoberto por biólogos da Fiocruz de Minas Gerais infecta e mata o mosquito transmissor da doença

Verme pode ajudar a deter leishmaniose

Nágila Secundino/Arquivo Pessoal
Imagem mostra verme recém-descoberto em fase jovem, na qual invade o abdômen do mosquito


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O mais novo aliado dos cientistas para deter a leishmaniose visceral tem menos de um milímetro de comprimento, mas é capaz de matar os mosquitos que transmitem a doença antes que eles se reproduzam. Trata-se de um verme descoberto por pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que pode se tornar uma arma biológica contra o inseto.
O nematóide (tipo de verme cilíndrico), que ainda nem ganhou seu nome de espécie, foi encontrado pelos biólogos Paulo Pimenta e Nágila Secundino, do Centro de Pesquisas René Rachou, em Belo Horizonte.
As observações da equipe sugerem que o nematóide infecte apenas mosquitos do gênero Lutzomyia (conhecidos como mosquito-palha ou birigui), transmissores da leishmaniose visceral. A doença afeta órgãos como fígado e baço e pode causar hemorragia e complicações pulmonares.
Usar o verme para diminuir a população do inseto seria um auxílio de valor à prevenção da doença, que está se expandindo para áreas urbanas no país.
A bióloga da Fiocruz conta que a descoberta do verme parasita aconteceu por acaso. A equipe do laboratório costuma recolher espécimes do mosquito-palha na gruta da Lapinha, no município de Lagoa Santa. Certo dia, alguns insetos de uma leva recém-chegada ao laboratório pareciam apáticos: não se alimentavam de sangue, ou comiam muito pouco.
O estranho é que o abdômen das fêmeas nesse estado se mostrava tão estufado quanto o de um mosquito que tivesse se enchido de sangue. Investigando o problema com o microscópio, a equipe deu de cara com o verme, em várias fases do seu ciclo de vida: ovos, larvas, machos e fêmeas adultos dentro de cistos.
A porcentagem de animais que vinham da natureza com o parasita no organismo não chegava a 0,5%, mas a concentração deles no laboratório logo ajudou a mudar o quadro, diz Secundino: em três ou quatro gerações, de 80% a 90% dos bichos tinha morrido. "Perdi a colônia", conta a bióloga.
Mas valeu a pena: o grupo constatou que os mosquitos infectados não se alimentavam de sangue ou o faziam muito pouco. E esse tipo de refeição é crucial para que as fêmeas do Lutzomyia consigam produzir seus ovos, além de ser responsável pela chegada do micróbio Leishmania chagasis aos humanos picados.
Pimenta e Secundino verificaram que o verme acompanha o inseto por todo o seu ciclo de vida e aparentemente não infecta outros insetos ou animais. A intenção, agora, é escolher uma área onde o inseto está presente na natureza para testar o desempenho do verme no seu controle.
A transmissão parece ocorrer quando as larvas dos mosquitos comem restos de companheiros mortos, ou quando os vermes penetram na pele das larvas.
A leishmaniose visceral está presente em toda a América. Fez três vítimas fatais no Estado de São Paulo nos últimos 20 dias.



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