São Paulo, sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

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Grupo faz o primeiro clone humano com célula adulta

Empresa californiana não conseguiu, porém, obter células-tronco para pesquisa

Autenticidade de um dos cinco embriões criados foi atestada por instituto de pesquisa independente dos autores do experimento

"Stem Cells"
Óvulo recebe núcleo novo e se divide para formar embrião


DA REPORTAGEM LOCAL

Um grupo de cientistas dos EUA anunciou ontem ter conseguido obter o primeiro embrião clonado a partir de uma célula humana adulta. Em um artigo científico publicado na revista "Stem Cell", cientistas da empresa de biotecnologia Stemagen, de La Jolla (Califórnia), descreveram como foram criados cinco clones, um deles com autenticidade já atestada por um centro de pesquisa independente da empresa.
Embriões humanos clonados já haviam sido obtidos por meio estimulação de óvulos ou com o uso de células embrionárias, mas a clonagem a partir de uma célula adulta abre caminho para aquilo que os pesquisadores mais almejam: obter linhagens de células-tronco de grande potencial terapêutico e para uso em pesquisa.
As células-tronco embrionárias humanas são consideradas uma grande promessa da medicina porque são pluripotentes: têm a capacidade de se diferenciar em qualquer tecido do organismo. Produzir e "domar" essas células poderia, no futuro, levar ao tratamento de doenças hoje incuráveis, como o mal de Parkinson, o diabetes e lesões de medula. Células-tronco produzidas a partir de um clone humano poderiam levar a tratamentos "sob medida" para o doente, sem risco de rejeição -já que seriam feitas com o material genético dele.
Este passo crucial, porém, ainda não foi dado pelos cientistas da Stemagen, que é ligada a uma clínica de fertilidade.
De qualquer forma, o estudo foi visto por alguns cientistas como sinal de que o campo de pesquisa está finalmente conseguindo obter resultados e se recuperar do baque que sofreu em 2005. Naquele ano, o cientista coreano Hwang Woo-Suk anunciou a obtenção de células-tronco a partir de embriões clonados, mas o experimento se revelou uma fraude depois.
O novo trabalho foi apresentado como um desabafo. "Esperamos que ele seja uma espécie de virada para muitos outros estudos", diz Andrew French, cientista que liderou o experimento na Califórnia. O grupo construiu os clones a partir de células de pele de dois cientistas da equipe e de óvulos doados voluntariamente por mulheres de casais que passavam por tratamento de fertilidade.
O método adotado por French para produzir os clones foi basicamente o mesmo que gerou a ovelha clonada Dolly, em 1996, mas teve de ser aprimorado, já que em humanos e outros primatas existem complicações técnicas adicionais.

Sem células-tronco
Apesar de o experimento da Stemagen ter sido recebido com impacto, alguns cientistas questionaram se ele deve ser tratado como um avanço significativo na área, já que os americanos da Stemagen não conseguiram obter nenhuma linhagem de células tronco.
"Acho difícil determinar o que foi substancialmente novo", disse Douglas Melton, do Instituto de Células-Tronco de Harvard. Para ele, o próximo grande avanço no campo teria sido mesmo a criação de uma linhagem de células embrionárias a partir de um clone. "Isso ainda está por ser feito (...) mas é só uma questão de tempo antes que algum grupo consiga."
Ian Wilmut, criador da ovelha Dolly, se disse otimista. "Espero que os autores tenham a oportunidade de continuar seu trabalho e derivar as linhagens de células-tronco", afirmou.
Segundo a bióloga Lygia da Veiga Pereira, da USP, seria natural esperar que os cientistas conseguissem obter as linhagens de células tronco antes de publicar um trabalho. "Imagino que eles tenham tentado extrair as células e não tenham conseguido", afirmou. Pereira, porém, não questionou a autenticidade da clonagem. "Eles foram muito cuidadosos com os embriões", disse. "Para um deles, confirmaram que tinha de fato genoma idêntico à célula doadora, tanto no DNA nuclear [do núcleo da célula] quanto mitocondrial [da mitocôndria, unidade que processa energia na célula]."

Avaliação "ultracautelosa"
Alguns pesquisadores que estão na corrida pela obtenção das linhagens de células-tronco de clones receberam a notícia com ceticismo. "Precisamos ser ultracautelosos depois do escândalo de Hwang e não cometermos os mesmos erros de novo", disse Robert Lanza, da empresa Advanced Cell Technologies. "Eu realmente gostaria de acreditar nisso, mas ainda não estou convencido."
Alguns pesquisadores do campo abriram mão de trabalhar com células-tronco para pesquisar as chamadas iPS (células pluripotentes induzidas). São células com potencial terapêutico tão promissor quanto o das embrionárias, mas que podem ser feitas sem clonagem.
"Mas, neste estágio, não consideramos células iPS como substitutas da transferência nuclear", escreveu Miodrag Stojkovic, cientista do Centro de Pesquisa Príncipe Felipe, de Valência (Espanha), em comentário na "Stem Cell". "O uso nelas de genes e retrovírus conhecidos por causar câncer (...) torna questionável qualquer aplicação possível em medicina regenerativa."
Segundo Mayana Zatz, geneticista da USP, qualquer uso de tecido adulto para criar embriões ainda deve enfrentar dificuldades técnicas. "Ele pode ativar [no embrião] mutações que estavam silenciadas [na célula adulta]", explica. "Dependendo da mutação, ela pode tornar a célula inviável."


Com Reuters e Associated Press


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