São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 2002

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BIOQUÍMICA

Pesquisadores de São Paulo e do Paraná querem desenvolver anticoagulantes a partir de proteínas do animal

Veneno de aranha pode atacar trombose

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma aranha minúscula que é um problema de saúde pública no Paraná, causando cerca de 3.000 acidentes por ano, agora está colaborando com a ciência e poderá ser a nova fonte de medicamentos contra problemas de coagulação no sangue.
Pesquisadores da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) isolaram enzimas (um tipo de proteína) no veneno da aranha marrom que poderão auxiliar no tratamento de tromboses e problemas semelhantes de obstrução dos vasos sanguíneos.
"Identificamos enzimas que agem sobre os vasos sanguíneos e causam a hemorragia, destruindo os vasos e componentes do plasma necessários à coagulação", afirma o bioquímico Rafael Bertoni da Silveira, de Curitiba, aluno de pós-graduação da Unifesp.
A equipe de cientistas -que também contou com o orientador de Bertoni na Unifesp, Carl Peter von Dietrich, seu co-orientador na UFPR, Silvio Sanches Veiga, e Helena Bonciani Nader, também da Unifesp-, publicou quatro artigos em revistas científicas internacionais sobre a pesquisa.
Um artigo faz a descrição estrutural da glândula de veneno da aranha. Dois outros trabalhos descrevem a identificação das proteases, isto é, das enzimas que degradam outras proteínas, em extratos das glândulas de veneno da aranha. E ainda outro descreve a maneira como ocorre o dano ao vaso sanguíneo pelo veneno.
O objetivo inicial do estudo era entender o processo de ação do veneno no organismo humano.

Piores venenos
As aranhas marrons, do gênero Loxosceles, são as mais perigosas entre as aranhas pequenas -seu corpo chega no máximo a um centímetro. Em torno de 80% dos acidentes ocorrem dentro de casa, pois elas são encontradas em armários, roupas e sapatos. Os forros de madeira comuns nas casas das regiões de imigração européia no Paraná são um dos locais onde se reproduzem com facilidade. "Há casas abandonadas com 200, 500 aranhas", afirmou Bertoni à Folha, por telefone.
Justamente por serem pequenas, a pesquisa com elas é difícil. Para conseguir doses de veneno em quantidade suficiente para a pesquisa é necessário "ordenhar" centenas de aranhas -por meio de choques, ou matando-as para extrair a glândula de veneno. Os pesquisadores usaram o veneno da espécie predominante no Paraná, a L. intermedia.
A pessoa picada pode nem perceber na hora, dado o pequeno ferrão da aranha. O veneno leva de 12 a 24 horas para agir. A vítima sente, então, dor semelhante à de uma queimadura. Forma-se uma bolha no local e uma úlcera de cicatrização difícil. A urina pode ficar escura. Nos piores casos, surge insuficiência renal.
"O mecanismo da lesão ainda não foi todo elucidado", diz Bertoni. A pesquisa agora está continuando com um viés mais aplicado, "mais de biotecnologia", com a clonagem das enzimas e estudo das suas características.
O uso de enzimas purificadas retiradas de toxinas animais como medicamento já tem como precedentes trabalhos feitos com veneno de cobra. Mas os aracnídeos não ficam atrás, pois seus venenos podem ter ações distintas nas vítimas, ajudando com isso na compreensão de funções do organismo ou originando terapias.
Um bom exemplo é a aranha armadeira (Phoneutria nigriventer). A picada dessa espécie logo provoca dor local intensa, pois ele age no sistema nervoso, interferindo nos canais de transmissão do impulso nervoso.


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