São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2004

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TECNOLOGIA

Cientistas apostam em máquinas inspiradas em insetos, lagartixas e peixes para medicina e exploração espacial

Bichos robóticos tentam sair do laboratório

Christopher Rolinson/Associated Press
Inseto robótico produzido pela Universidade Carnegie Mellon anda sobre a água


SCOTT KIRSNER
DO "NEW YORK TIMES"

Joseph Ayers se encolhe atrás de um "laptop" enquanto vigia uma lagosta negra através de uma janela retangular de acrílico num tanque de fibra de vidro com água salgada. Ele vê a lagosta escalar o fundo arenoso e lutar para vencer pequenas pedras.
"Ela se apóia na cauda, e suas pernas da frente não estão tocando realmente o solo", diz Ayers, professor de biologia na Universidade Northeastern, em Boston (EUA), aparentando irritação.
Então, Ayers nota que um parafuso está faltando em uma das pernas da lagosta. Se ela não fosse feita de plástico, ligas metálicas e uma bateria de níquel, Ayers -autor de diversos livros de culinária com lagostas, incluindo "Dr. Ayers Cozinha Com Conhaque"- teria jogado o crustáceo robótico em uma panela.
Ayers tenta aprontar a lagosta-robô para uma demonstração, no fim do mês no Escritório de Pesquisa Naval, que financia seu trabalho. Até a ocasião, ele espera que a lagosta use suas duas garras como sensores. "Quando deparar com uma pedra", explica, "ela será capaz de decidir se passa por cima ou a circunda."
Ayers faz parte de um punhado de pesquisadores de robótica que usa animais como modelos. O campo é chamado de biomimetismo, e os pesquisadores, que desenvolvem versões robóticas de lagostas, cobras, lagartixas e insetos, crêem que as máquinas inspiradas na biologia serão capazes de operar em locais aonde a geração atual de robôs não chega.
"Os animais se adaptaram a qualquer local onde nós podemos querer operar um robô", explica Ayers. Seu RoboLobster é desenhado para caçar minas que bóiam em águas rasas ou que estejam enterradas em praias.
Outro pesquisador, Howie Choset, da Universidade Carnegie Mellon, testa robôs segmentados e sinuosos, inspirados em cobras, que podem buscar sobreviventes dentro de prédios destruídos.
No entanto, copiar a natureza não é fácil, e alguns pensam que, apesar da propaganda em torno do cão-robô da Sony, o Aibo, em 1999, robôs biomiméticos úteis podem levar anos para aparecer.
Um desafio é a natureza esporádica do financiamento, que vem principalmente de agências governamentais como a Darpa (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada da Defesa).
Os militares se interessam por robôs inspirados em animais pelo menos desde 1968, quando a General Electric construiu uma bomba de gasolina móvel para o Exército americano que lembrava um elefante. Na época, alguns viram o trabalho como frivolidade, lembra Paul Muench, pesquisador do Comando de Tanques e Armamentos do Exército -grupo conhecido como Tacom.
Agora, a Tacom ganhou US$ 1 milhão para conduzir mais pesquisas em robôs móveis. Um deles é uma "mula" que serviria como gerador de diesel para unidades móveis. Ela foi desenhada por dois ex-funcionários da Walt Disney, responsáveis pela construção de um robô-dinossauro, chamado Lucky, que às vezes passeia pelos parques temáticos da Disney.
Pesquisadores que trabalham com a fauna robótica não estão pensando apenas no uso militar, apesar de tentarem pintar cenários dramáticos de guerra para atrair fundos. Baleias robóticas poderiam um dia nadar ao lado das verdadeiras, enviando dados e imagens para biólogos estudarem padrões migratórios.
Outros dizem que um robô com pernas poderia levar a próteses mais realistas e funcionais para amputados. Na Carnegie Mellon, Choset acredita que seus robôs reptilianos poderiam um dia ser usados para inspecionar tanques de combustível subterrâneos ou conduzir testes médicos e cirurgias dentro do corpo humano. Neste ano, ele fez um teste preliminar ao inserir uma cobra-robô no abdome de um porco.
Hoje, poucos robôs usados por militares, consumidores ou empresas lembram animais. Uma das razões para isso é o meio de locomoção: rodas são mais eficientes do que pernas, explica Helen Greiner, presidente da iRobot Corporation, em Massachusetts.
No começo, a companhia trabalhou com a Nasa para construir robôs semelhantes a insetos, que poderiam ser usados pela agência espacial na exploração planetária. Mas os robôs enviados a Marte se parecem muito mais com jipes.
Os pesquisadores dizem que um avanço importante serão músculos artificiais, uma substância sintética que possa contrair e relaxar com a eletricidade. "Músculos são elásticos espetaculares, absorvem impactos, dão suporte, brecam e movimentam, tudo envolvido por um pequeno e fino tecido", disse Full.
O RoboLobster tem músculos artificiais delicados que movem as pernas, feitos de uma liga de níquel e titânio. No começo do ano, uma companhia chamada Artificial Muscle foi lançada para comercializar um novo polímero, semelhante ao tecido muscular.
Mas os pesquisadores que trabalham com biomimetismo não esperam por modernos músculos artificiais. Eles buscam inspiração em como os animais fazem coisas que os atuais modelos de robôs não conseguem fazer.
Full tem estudado os pequenos pêlos nas pontas dos dedos da lagartixa, os quais permitem ao réptil se agarrar a superfícies lisas, como paredes e tetos. "Ainda não entendemos como eles se limpam, como eles não embaraçam, nem como não grudam um nos outros. Mas vamos descobrir."


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