São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 2002

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CLIMA

Aquecimento global derrete as geleiras no cume da montanha mais alta da África, celebrizada por Hemingway

Neve do monte Kilimanjaro vai sumir em 20 anos

Lonnie Thompson/Science
À esq., a plenitude do famoso monte Kilimanjaro; à dir., bloco de gelo derretendo na montanha


DA REDAÇÃO

O cume nevado do monte Kilimanjaro, famoso na literatura e amado pelos turistas, se formou há 11 mil anos, mas terá desaparecido em mais duas décadas, segundo pesquisadores. Eles dizem que os campos de gelo na montanha mais alta da África diminuíram em 80% no último século.
Lonnie G. Thompson, da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA, disse que medições em amostras de gelo e com modernos satélites de navegação mostram que as camadas de gelo mais antigas da famosa montanha foram depositadas durante um período extremamente úmido, iniciado 11.700 anos atrás.
Mas o aumento de temperatura em anos recentes, medido em um grau inteiro desde 2000, está levando à erosão dos blocos de gelo de 50 metros de altura que deram ao Kilimanjaro seu cume branco.
"O gelo terá sumido até 2020", disse Thompson, o primeiro autor de um estudo que está sendo publicado hoje pela revista "Science" (www.sciencemag.org). O gelo já em fase de desaparecimento reduziu a quantidade de água em alguns rios da Tanzânia e o governo teme que, quando o Kilimanjaro estiver sem neve, os turistas parem de vir.
"Kilimanjaro é o principal atrativo de capital estrangeiro para o governo da Tanzânia", disse Thompson. "Tem seu próprio aeroporto internacional e recebe 20 mil turistas todo ano. A questão é, quantos virão se não houver campos de gelo na montanha."
A montanha é prestigiada na literatura, notavelmente no livro de Ernest Hemingway "As Neves do Kilimanjaro" ("The Snows of Kilimanjaro"), e algumas crenças antigas da África sustentam que a montanha é um local sagrado.
A água do monte abastece vilas e hospitais, e alguns deles já estão sofrendo com a escassez, disse Thompson. Os cientistas correm para escavar núcleos do campo de gelo em fase de derretimento para preservar a história contada pelas camadas de gelo a respeito do antigo clima da África e, em última análise, do mundo todo.
Um período extremamente úmido indicado pelo gelo tem correspondência com estudos independentes que mostram que há 11 mil anos os lagos na África ocupavam vastas áreas do continente.
O lago Chade, por exemplo, disse Thompson, cresceu até cobrir 345 mil quilômetros quadrados, o tamanho atual do mar Cáspio. O lago africano hoje tem apenas 17 quilômetros quadrados.
O período úmido terminou e as amostras de gelo mostram que a África entrou em uma profunda seca há 4.000 anos. Esse período seco, disse Thompson, também é apontado por outros registros, inclusive nos escritos de caráter histórico. "Esse período seco aparece no registro histórico do Egito", disse. "Escritos nas tumbas falam de dunas de areia se movendo pelo Nilo e de pessoas migrando. Alguns chamaram essa fase de primeira idade das trevas da Terra."
A África não estava sozinha na seca. Thompson disse que outros registros mostram que a civilização quase entrou em colapso no período na Índia, no Oriente Médio e na América do Sul.
Os pesquisadores põem marcadores no topo dos blocos de gelo desde 1962 e Thompson disse que as medições de satélites mostram que o conjunto do gelo diminuiu 17 metros nos últimos 40 anos.

Com agências internacionais


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