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São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

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ARQUEOLOGIA

Figuras esculpidas em marfim têm 33 mil anos e vêm de caverna

Alemão acha mais velhas esculturas do planeta

Divulgação Hilde Jensen/Universidade de Tübingen
Homem com traços felinos esculpido em marfim de mamute há 33 mil anos na região alemã da Suábia


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os primeiros escultores do planeta tinham mais de uma coisa em comum com os gênios da Grécia Antiga -como a paixão por cavalos e um domínio da anatomia animal de dar inveja a quem fez o Partenon. Três figuras de marfim feitas por esses artistas primevos e achadas na Alemanha têm 33 mil anos, o que faz delas as esculturas mais antigas da Terra.
Em tamanho, elas não passam de quatro centímetros. Representam a cabeça de um cavalo, um pássaro em pleno vôo (ou mergulhando para caçar) e um estranho ser metade homem e metade felino. Mesmo assim, as implicações dessas figuras para a origem da arte é das grandes. Sugerem, por exemplo, que os humanos se tornaram artistas sofisticados em relativamente muito pouco tempo.
O conjunto de peças está sendo apresentado ao mundo, hoje, num artigo do arqueólogo alemão Nicholas Conard, da Universidade de Tübingen, publicado na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com). Os achados vieram da caverna de Hohle Fels (algo como "rocha oca"), na Suábia, região do sudoeste da Alemanha que tem se mostrado uma fonte quase inesgotável de arte e ferramentas pré-históricas.
"A Suábia é incomum porque temos um pacote completo de muitos exemplos de arte figurativa, muitos ornamentos, duas flautas e muitas formas novas de ferramentas numa data muito antiga", contou Conard à Folha. A meros 2,5 km de Hohle Fels, por exemplo, já havia sido encontrada uma figura que, para alguns arqueólogos, representaria a constelação de Órion.
"Não concordamos com essa interpretação, mas essa imagem pertence à mesma cultura que as nossas, a aurignaciana", diz o arqueólogo Michael Bolus, colega de Conard em Tübingen.
A cultura aurignaciana (que empresta seu nome de um sítio arqueológico na França) representa, segundo a maioria dos pesquisadores, o primeiro grande florescimento cultural dos humanos modernos (Homo sapiens) na Europa. Uma verdadeira Semana de Arte Moderna, com experimentos brilhantes nas mais diversas áreas, só que com uma duração de mais de 10 mil anos.
A mais antiga manifestação artística ligada a essa cultura eram, até pouco tempo atrás, as pinturas rupestres da gruta de Chauvet, na França, com 32 mil anos. Muito provavelmente as estatuetas, feitas com marfim de mamute, são mais velhas, diz Bolus.
"No momento elas são as mais antigas esculturas totalmente elaboradas no mundo todo. Claro, há gravações em outros lugares que são mais velhas [como os rabiscos geométricos numa pedra de Blombos, na África do Sul, com 77 mil anos], mas nada que se compare às nossas figuras de marfim", afirma o arqueólogo.

Xamanismo
As novas estatuetas podem ajudar a definir pelo menos parte da cultura que existiu na Suábia do fim da Era do Gelo. Há, por exemplo, uma intrigante repetição de figuras teriantrópicas (ou seja, parte fera e parte homem) nas formas de arte achadas na região.
Isso leva os pesquisadores de Tübingen a propor a hipótese de que elas representam xamãs -magos-sacerdotes que transitavam entre o mundo animal, o humano e o dos espíritos. "Essa é a melhor hipótese que temos no momento", diz Conard.
Mais importante ainda, o estudo pode fornecer mais combustível à hipótese da Grande Explosão Criativa, ou Grande Salto Adiante. Em síntese, essa idéia surgiu para explicar por que o aparecimento de seres humanos de anatomia moderna, há 160 mil anos, não parece ter causado grandes mudanças na maneira como as pessoas fabricavam instrumentos, moravam e viam o mundo até 40 mil ou 50 mil anos atrás.
Nessa época, além da arte, os seres humanos passam a costurar suas roupas, construir moradias, usar elaboradas ferramentas multipeças e até a usar chapéus. Há quem atribua isso a alguma mudança genética que teria originado, por exemplo, as primeiras línguas com sintaxe complexa, como as de hoje.
"Até essa época, o homem não tinha todo o pacote da modernidade cultural. Portanto, houve realmente uma espécie de "explosão criativa" no Aurignaciano. É difícil dizer qual foi o gatilho, mas certamente não houve uma causa única", diz Bolus, com cautela.


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