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Painel pede moratória à pesca profunda
Pesquisadores reunidos nos EUA dizem que novas técnicas de arrasto acabam com espécies que a ciência ainda desconhece
Embargo à captura de peixe
em águas profundas está
sendo debatido pela ONU,
mas sofre oposição de
países como Japão e Canadá
Divulgação
![](../images/d1902200701.jpg) |
O grenadier, peixe de águas profundas que integra o "cardápio proibido" dos cientistas |
RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A SAN FRANCISCO
Um grupo internacional de
especialistas em biodiversidade marinha lançou ontem um
apelo em favor de um embargo
à pesca de espécies de águas
profundas (mais de 500 metros
abaixo da superfície).
Em uma série de palestras na
reunião anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em San Francisco, os pesquisadores mostraram indícios de que os navios
pesqueiros já estão fazendo estrago em lugares onde biólogos
nunca estiveram.
"O que é triste é constatar
que, à medida que descobrimos
novas espécies, vemos que elas
já estão impactadas", diz Murray Roberts, da Associação Escocesa para Ciências do Mar.
"E nós já sabemos que essas populações de peixes podem levar
de centenas a milhares de anos
para se recuperar."
O problema deriva, em grande parte, do tipo de vida que é
encontrada em grandes profundidades. "A adaptação biológica para viver nessas águas
extremamente frias é tornar-se
lento", explica a bióloga Selina
Heppell. "Alguns peixes demoram até 36 anos para atingir a
maturidade sexual e podem viver até 150 anos."
Com esses ciclos de vida longos, dificilmente uma espécie
poderá sobreviver à voracidade
da indústria pesqueira, que nos
últimos anos tem lançado mão
de técnicas novas para levar redes de arrasto cada vez mais
fundo. Além de conseguir estender as redes, o transporte
por grandes distâncias está facilitado por técnicas de refrigeração instantânea e pelo rastreamento de cardumes com
uso de aparelhos de GPS.
Segundo o pesquisador Sumaila Hashid, da Universidade
da Colúmbia Britânica (Canadá), é um tipo de pesca pouco
rentável, que só prospera por
causa de incentivos governamentais. "Nossa estimativa é de
que os subsídios para essas frotas de navios hoje somem US$
152 milhões, o que representa
15% do valor da frota estacionada", diz o pesquisador. "Mas o
lucro obtido por esse grupo de
navios em geral não passa de
10% do valor da frota."
Entre os países que subsidiam a prática estão Japão, Espanha, Rússia, Coréia do Sul,
Austrália, Ucrânia e França.
Pessoas que assistiram à palestra dos pesquisadores em
San Francisco receberam um
folheto para orientar o consumo responsável de frutos do
mar, uma das grandes atrações
turísticas da cidade. Entre espécies listadas no pequeno
"cardápio proibido" figuram
peixes como a merluza-negra
(Dissostichus eleginoides). Ela
é capturada com redes de arrasto de alcance profundo. Outro grupo ameaçado é o dos
grenadiers (Macrouridae).
Como se não bastasse a sobrepesca, algumas dessas espécies já estão ameaçadas pela
deterioração de corais profundos causada pela acidificação
do oceano, uma conseqüência
do aquecimento global que já
se faz sentir.
Moratória
A boa notícia é que o pedido
de moratória já está sendo discutido na ONU com o apoio de
Brasil, EUA, Chile, Noruega e
outros países. A medida sofre
resistência do Japão e do Canadá, mas em dezembro todos entraram em acordo para que se
produza uma avaliação mais
precisa dos estoques de peixes
no fundo do mar.
"O ônus da prova mudou de
lado", diz Mathew Gianni, da
Coalizão de Conservação do
Mar Profundo. Pelo acordo
preliminar, por enquanto, os
recursos pesqueiros de áreas
internacionais profundas só
podem ser acessados se o país
que deseja fazê-lo provar que o
ecossistema a ser explorado
não está ameaçado. "Mas precisamos ver se, na prática, o acordo será cumprido", diz Gianni.
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