|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O colapso gravitacional e o nascimento de planetas
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Há cerca de 5 bilhões de anos,
uma enorme nuvem de gás,
composta principalmente de hidrogênio e hélio, começou a colapsar sobre si mesma, devido à
sua própria gravidade. Durante
o colapso, certas regiões da nuvem tornaram-se progressivamente mais densas, atraindo
matéria de regiões vizinhas. A
essa mistura, devemos adicionar
a rotação da nuvem, parcialmente preservada no colapso.
A combinação de colapso e rotação tem um efeito dinâmico
muito interessante. Em vez de a
nuvem encolher como um balão
furado, preservando sua forma
aproximadamente esférica, ela,
aos poucos, vai se alongando na
região equatorial, ficando cada
vez mais achatada nos pólos, até
que quase toda a matéria fique
concentrada entre dois planos
na forma de um disco, um pouco
semelhante ao que vemos em
torno de Saturno.
No centro do disco, uma concentração maior de matéria assume uma forma esférica, o protótipo de uma estrela que está
prestes a nascer, juntamente
com sua corte de planetas.
A causa inicial do colapso da
nuvem de gás não é muito clara.
Uma das possibilidades mais
aceitas é que ele seja provocado
pela explosão de uma estrela vizinha. Caso essa hipótese esteja
correta, a morte de uma estrela
causa o nascimento de outra, em
um ciclo de criação e destruição
que se propaga pela galáxia.
A idéia de que a formação de
um sistema solar ocorra devido
ao colapso de uma nuvem gasosa, cujo achatamento em forma
de disco é causado por sua rotação, não é nada nova. Em 1755, o
grande filósofo alemão Immanuel Kant deixou um pouco de
lado sua pesquisa epistemológica e propôs esse mecanismo em
sua obra intitulada "História Natural Universal e Teorias dos
Céus". Suas idéias foram posteriormente refinadas pelo matemático e astrônomo francês
Pierre Simon de Laplace.
Vale a pena uma pequena interrupção para relatar um episódio da vida de Laplace que ilustra
sua suprema confiança no poder
da razão para desvendar os mistérios do cosmos.
Laplace havia completado um
tratado notável sobre mecânica
celeste, em que ele aplicara conceitos de mecânica e gravitação
newtonianas para calcular com
grande detalhe e precisão os movimentos dos corpos celestes do
Sistema Solar. Um dos presenteados com uma cópia da obra
foi Napoleão Bonaparte.
Após examinar a obra, Napoleão disse a Laplace (versão levemente romanceada do evento):
"Monsieur Laplace, apreciei
muito sua obra "Mecânica Celeste', mas percebi, com certo desconforto, que o senhor jamais
menciona o Criador." Ao que
Laplace respondeu: "Caro Imperador, não tenho necessidade
dessa hipótese".
Em sua obra, Kant descreve o
processo de formação planetária
a partir do que chamamos hoje
de disco protoplanetário: "Nós
vemos uma região do espaço estendendo-se do centro do Sol até
distâncias enormes, contida entre dois planos bastante próximos (o disco protoplanetário)".
Dentro dessa região, a "atração
mútua de matérias elementares"
causa o agregamento progressivo de partículas do tamanho de
pedregulhos, culminando na
formação de planetas.
Hoje, temos ampla evidência
observacional de que discos protoplanetários existem em torno
de estrelas jovens. Para confirmarmos a hipótese de Kant-Laplace, basta encontrarmos planetóides em formação no disco.
No entanto, existem vários
problemas ainda em aberto. Como passar do agregamento de
pedregulhos até massas planetárias? Por que o Sistema Solar tem
planetas gigantes em órbitas externas, enquanto outros, recentemente observados, têm planetas gigantes em órbitas tão próximas de seu sol como Mercúrio
do Sol? Explicações não faltam, e
algumas delas serão discutidas
em colunas futuras. Apesar do
otimismo de Laplace, é sempre
bom lembrarmo-nos do quanto
não sabemos a respeito do Universo a nossa volta.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "A Dança do Universo".
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|