São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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Periscópio

Neurose e formigas monstruosas

José Reis
especial para a Folha

Trataremos hoje de dois assuntos em vez de um só. Um deles é sobre um gene ligado à neurose e o outro, sobre lendárias formigas monstruosas cujo mistério foi, afinal, desvendado.
O primeiro reúne uma série de experimentos por Lesch e colaboradores e foi publicado na revista científica americana "Science" (nš 274, 29 de novembro de 1996, págs. 1527 a 1531). Os pesquisadores descobriram um gene com duas variantes ligado à maneira pela qual a serotonina é reabsorvida pelas células nervosas. A serotonina é um poderoso e ativo neurotransmissor, dotado de propriedades antidepressivas, conforme a dose. Depois de secretada pela célula nervosa ela pode ser reabsorvida, pelo menos parcialmente.
O gene vem em duas variantes, uma longa e outra curta. Esta última é a que foi relacionada com a neurose. Ela induz a reabsorção de um número menor das moléculas, ao contrário da longa.
Os autores escolheram um grupo de 505 indivíduos que se mostravam sensíveis a perguntas do tipo "sua cabeça às vezes fica cheia de pensamentos aterradores?" e os submeteram a testes de personalidade e exames genéticos. Encontraram correlação significativa entre a presença do gene curto e as manifestações neuróticas (ansiedade, desconfiança, medos etc.). Cerca de 70% desses indivíduos tinham o gene curto.
Apenas 3% ou 4%, acreditam os cientistas, revelam variação da neurose na população geral, e eles supõem que "a variação nos traços de personalidade, inclusive os ligados à ansiedade, deve ser produzida por uma complexa interação de fatores ambientais e "experienciais" com numerosos produtos do gene".
Lesch e colaboradores afirmam, baseados em suas análises genéticas e psicológicas, que uma grande maioria possui o gene curto e que este se acha ligado a neurose, tensão, suspeita, preocupação e pessimismo, além de medo e incerteza. Comentando esse artigo na "Time", James Collins salienta que a presença do gene que produz a ansiedade pode ter explicação evolutiva, pois a espécie, quando apareceu, nada conhecia do ambiente que a esperava e, por isso, a cautela se tornava necessária.
O segundo tópico refere-se a uma notícia também publicada na revista "Time", segundo a qual um antropólogo francês -Michel Peissel- e um fotógrafo britânico -Sebastian Guinness- conseguiram, após muita aventura, localizar a chave de um mistério criado por Heródoto, o "pai da História". Esse antigo historiador, nascido muito antes de Cristo em Halicarnasso, afirmara a existência de formigas monstruosas e peludas, do tamanho de cães ou de raposas, que mineravam ouro em suas tocas e o carreavam para as arcas do rei da Pérsia.
Descobriram os exploradores que as "formigas monstruosas" não passavam de marmotas (roedores do grupo dos esquilos), cujo nome na antiga Pérsia significava "formigas da montanha". Um erro de interpretação de Heródoto durante muito tempo criou as mais diversas versões da história. Na verdade, as marmotas se enfiam em tocas de terreno aurífero e o ouro gruda em seus pêlos.



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