São Paulo, sábado, 19 de junho de 2004

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BIOLOGIA

Pesquisadores do RS criam método de baixo custo para produzir inseto geneticamente modificado para pesquisa

Trio improvisa mosca transgênica barata

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem não tem cão, caça com gato -até para fazer moscas transgênicas. E os proverbiais gatos estão ameaçando tirar o emprego de seus concorrentes caninos: um grupo de pesquisadores do Rio Grande do Sul acaba de desenvolver um método improvisado para obter esses insetos a custo muito mais baixo.
O esforço vem da Universidade Federal de Santa Maria e está descrito num artigo publicado na última edição da revista científica da Sociedade Brasileira de Genética, "Genetics and Molecular Biology" (www.scielo.org/gmb).
O sucesso é mais fruto de inventividade do que de alta tecnologia. Em dado momento, por exemplo, os pesquisadores descrevem o uso de um "adesivo instantâneo cianoacrílico", mas logo desfazem a impressão de sofisticação, com uma descrição mais precisa, entre parênteses: SuperBonder.
"A metodologia nos nossos experimentos é basicamente a mesma. O que apresentamos de novo é a improvisação de um micromanipulador com um pedaço de microscópio velho", conta Élgion Lucio da Silva Loreto, um dos três condutores da pesquisa, com Maríndia Deprá e Lenira Maria Nunes Sepel. "Outra coisa que fizemos foi improvisar um sistema de epifluorescência, colocando uma fonte de laser em um estereomicroscópio comum."
A fabricação de moscas drosófilas transgênicas é importante para entender o papel de genes no organismo. Loreto e suas colegas trabalham especificamente com a introdução de transposons em seu código genético. O nome feio pode meter medo, mas não é nada demais; ele designa um tipo de gene que é basicamente um atleta saltador, capaz de trocar de posição dentro do genoma.
"Essa metodologia possibilitou que a drosófila pudesse passar de um excelente modelo para estudos de "genética clássica", em que os genes eram desvendados pelo cruzamento de mutantes, para um modelo aplicado na era da biologia molecular, em que os cientistas alteram os genes de um organismo e verificam o resultado dessa alteração", diz Loreto.
Hoje em dia, empresas até comercializam moscas alteradas geneticamente feitas sob encomenda, ao custo de cerca de 300 dólares. E os equipamentos usados para fazer isso são caros.
O micromanipulador usado para fazer as transformações custa cerca de US$ 10 mil. E o sistema de microscópio que permite verificar quais moscas foram realmente alteradas no processo (usando normalmente genes que a tornam fluorescente sob certas condições de luz), outros US$ 10 mil.
Em vez de desembolsar esses recursos, o trio resolveu improvisar. Começou aproveitando pedaços de microscópios velhos. "Temos muitos microscópios de aula prática e, com o tempo, sai mais caro fazer a manutenção deles do que comprar um novo. Aí é só pegar o sistema de movimentação da lâmina e adaptar em um suporte. Nele se põe uma agulha, colada a uma ponta de micropipeta com "adesivo instantâneo". Ligando isso a uma seringa e um tubo plástico, os cientistas já têm o micromanipulador improvisado.
Para o estereomicroscópio, o grupo está inovando na fonte de luz que permite a visualização da fluorescência, usando pequenos e baratos LEDs (sistemas corriqueiramente encontrados nos sinais de "stand by" em televisores).
A criatividade inventiva foi pressionada pela necessidade, segundo Loreto. "Ela veio exatamente da inexistência dos equipamentos empregados para fazer esses experimentos", diz.
Apesar dos improvisos, a técnica funciona num bom nível. De todas as moscas desenvolvidas nos experimentos, 12,5% apresentam as modificações genéticas desejadas. Pode parecer uma taxa baixa, mas as transformações feitas com outros métodos e equipamentos não estão muito longe disso, variando de 5% a 30%. "Conseguimos no primeiro estudo taxas intermediárias, e os ensaios mais recentes têm confirmado essa variação."
Loreto já recebeu contatos de cientistas interessados na França e nos Estados Unidos, mas sua preocupação principal não é com eles, mas com os cientistas que trabalham em lugares com menos recursos. "O nosso laboratório só se equipou de forma marcante recentemente, quando entramos num projeto genoma", diz. "Até então vínhamos improvisando muita coisa. Ser meio "professor Pardal" tem de fazer parte do perfil do pesquisador brasileiro, principalmente se estiver fora dos principais centros de excelência."


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