São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 2002

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ASTRONÁUTICA

Atraso em entrega de equipamento leva Nasa a pensar em excluir o país da construção da estação espacial

Brasil pode perder sua participação na ISS

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O sonho brasileiro de se juntar às nações desenvolvidas na construção do maior complexo espacial tripulado já concebido está sob ameaça. Estouros de orçamento relativos às peças brasileiras na ISS (Estação Espacial Internacional) estão atrasando sua fabricação e levando a Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, a estudar até a possibilidade de excluir o Brasil do projeto.
No mês passado, uma comissão liderada por Norman Neureiter, assessor de ciência e tecnologia da Secretaria de Estado dos EUA, esteve em Brasília numa reunião com o pessoal do Ministério da Ciência e Tecnologia para discutir o impasse na articulação da participação brasileira no projeto.
Os americanos cobraram uma posição definitiva do Brasil até o final deste mês acerca de um dos equipamentos de responsabilidade brasileira, o Express Pallet, que está agendado para ser instalado na estação em abril de 2006 e servirá como uma plataforma para a realização de experimentos do lado de fora do complexo. A Folha obteve confirmação de que, caso não recebesse uma resposta, a agência retiraria a participação brasileira do projeto e abriria licitação para fabricação das peças.
O governo brasileiro enviou uma carta à Nasa na semana passada, propondo uma nova reunião entre a agência americana e a AEB (Agência Espacial Brasileira) para discutir a questão. Os detalhes do conteúdo não foram divulgados, mas fontes próximas ao programa espacial brasileiro revelaram à Folha que o governo expressou a impossibilidade de entregar o Express Pallet até abril de 2006 -uma data considerada impostergável pela Nasa.
Informações extra-oficiais circularam da Nasa de volta à AEB, indicando que os americanos estariam dispostos a realizar essa reunião em agosto. A confirmação oficial, assim como a estipulação da data específica para o encontro, ainda não chegou.
Segue havendo uma forte pressão sobre a agência dos EUA para que seja aberta uma oportunidade a empresas americanas para a construção dos equipamentos. Mas a Nasa segue se esforçando para não destruir a parceria entre brasileiros e americanos.
"Uma coisa que quero deixar clara é que há o interesse do Brasil em continuar no programa e há o interesse dos Estados Unidos e da Nasa para que o Brasil continue", diz Múcio Moura Dias, presidente da AEB. "Nossa posição atual é a de gastar o que havíamos nos comprometido em 1997. Acho que é uma posição legítima."
Em novembro de 1997, quando o Brasil assinou o acordo de participação na ISS, se comprometeu a fornecer seis peças (veja quadro à direita) e gastar US$ 120 milhões.
A única empresa brasileira capacitada para trabalhar nos equipamentos dentro das especificações da Nasa é a Embraer. No orçamento original apresentado à AEB, o custo só do Express Pallet, o equipamento mais relevante do conjunto, giraria em torno dos US$ 300 milhões. O governo poderia procurar propostas no exterior que oferecessem preços melhores, mas um dos objetivos da participação é justamente capacitar a indústria nacional.
Renegociações das especificações com a Embraer conseguiram baixar esse preço para o Express Pallet para US$ 140 milhões. O Brasil já investiu no projeto cerca de US$ 25 milhões. Isso quer dizer que só sobram US$ 100 milhões.
"Esse dinheiro não é de se jogar fora", diz Dias. Em razão disso e da vontade da Nasa de manter a parceria de pé, o presidente da AEB diz acreditar que o risco da saída do Brasil do projeto seja mínimo. "Admito como possibilidade uma renegociação do acordo original", diz. Mas ninguém é capaz de antecipar as modificações.
Confrontado com a informação de que a Nasa estaria estudando a exclusão da participação brasileira, Dias respondeu: "A Nasa sempre elabora planos de contingência. O Express Pallet vai ter de ser fabricado por alguém, de algum jeito. Entenda isso como quiser."
A participação do Brasil na ISS se dá de forma diferenciada dos outros parceiros no complexo. Enquanto todos eles são sócios, respondendo pelo consórcio responsável pela estação (que inclui, além dos EUA, Japão, Canadá, Rússia e países europeus), o Brasil é apenas um participante ligado aos EUA. Por isso, os EUA podem optar por excluir o Brasil e tomar para si a responsabilidade.
No acordo com os EUA, o Brasil forneceria as peças em troca do treinamento de um astronauta para a ISS e de espaço para experimentos no ônibus espacial americano e na própria estação. O major-aviador Marcos Pontes já está em treinamento nos EUA desde 1998 e está certificado para voar, embora ainda não tenha data de decolagem. Seu treinamento é atualmente pago pela AEB. Caso o Brasil saia do projeto, sua situação no país fica indefinida.

Problema geral
Orçamentos estourados não são só um problema brasileiro na ISS. Todos os parceiros do projeto já tiveram seus problemas com a subestimação dos recursos exigidos para a execução do programa.
A Rússia atrasou em um ano o lançamento do módulo que permitiria a continuidade do projeto. Os EUA reduziram o escopo de sua participação recentemente, limitando a capacidade científica do complexo, para protesto dos demais parceiros. O Japão está com dificuldades para cumprir seus prazos. "Todos os países envolvidos estão enfrentando suas dificuldades", diz Dias. Mas, enquanto os outros países são sócios e têm uma parcela muito maior do projeto, o Brasil está na frágil condição de mero participante, com contribuição bem reduzida.



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