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ASTRONÁUTICA
Atraso em entrega de equipamento leva Nasa a pensar em excluir o país da construção da estação espacial
Brasil pode perder sua participação na ISS
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O sonho brasileiro de se juntar
às nações desenvolvidas na construção do maior complexo espacial tripulado já concebido está
sob ameaça. Estouros de orçamento relativos às peças brasileiras na ISS (Estação Espacial Internacional) estão atrasando sua fabricação e levando a Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, a
estudar até a possibilidade de excluir o Brasil do projeto.
No mês passado, uma comissão
liderada por Norman Neureiter,
assessor de ciência e tecnologia da
Secretaria de Estado dos EUA, esteve em Brasília numa reunião
com o pessoal do Ministério da
Ciência e Tecnologia para discutir
o impasse na articulação da participação brasileira no projeto.
Os americanos cobraram uma
posição definitiva do Brasil até o
final deste mês acerca de um dos
equipamentos de responsabilidade brasileira, o Express Pallet, que
está agendado para ser instalado
na estação em abril de 2006 e servirá como uma plataforma para a
realização de experimentos do lado de fora do complexo. A Folha
obteve confirmação de que, caso
não recebesse uma resposta, a
agência retiraria a participação
brasileira do projeto e abriria licitação para fabricação das peças.
O governo brasileiro enviou
uma carta à Nasa na semana passada, propondo uma nova reunião entre a agência americana e a
AEB (Agência Espacial Brasileira)
para discutir a questão. Os detalhes do conteúdo não foram divulgados, mas fontes próximas ao
programa espacial brasileiro revelaram à Folha que o governo
expressou a impossibilidade de
entregar o Express Pallet até abril
de 2006 -uma data considerada
impostergável pela Nasa.
Informações extra-oficiais circularam da Nasa de volta à AEB,
indicando que os americanos estariam dispostos a realizar essa
reunião em agosto. A confirmação oficial, assim como a estipulação da data específica para o encontro, ainda não chegou.
Segue havendo uma forte pressão sobre a agência dos EUA para
que seja aberta uma oportunidade a empresas americanas para a
construção dos equipamentos.
Mas a Nasa segue se esforçando
para não destruir a parceria entre
brasileiros e americanos.
"Uma coisa que quero deixar
clara é que há o interesse do Brasil
em continuar no programa e há o
interesse dos Estados Unidos e da
Nasa para que o Brasil continue",
diz Múcio Moura Dias, presidente
da AEB. "Nossa posição atual é a
de gastar o que havíamos nos
comprometido em 1997. Acho
que é uma posição legítima."
Em novembro de 1997, quando
o Brasil assinou o acordo de participação na ISS, se comprometeu a
fornecer seis peças (veja quadro à
direita) e gastar US$ 120 milhões.
A única empresa brasileira capacitada para trabalhar nos equipamentos dentro das especificações da Nasa é a Embraer. No orçamento original apresentado à
AEB, o custo só do Express Pallet,
o equipamento mais relevante do
conjunto, giraria em torno dos
US$ 300 milhões. O governo poderia procurar propostas no exterior que oferecessem preços melhores, mas um dos objetivos da
participação é justamente capacitar a indústria nacional.
Renegociações das especificações com a Embraer conseguiram
baixar esse preço para o Express
Pallet para US$ 140 milhões. O
Brasil já investiu no projeto cerca
de US$ 25 milhões. Isso quer dizer
que só sobram US$ 100 milhões.
"Esse dinheiro não é de se jogar
fora", diz Dias. Em razão disso e
da vontade da Nasa de manter a
parceria de pé, o presidente da
AEB diz acreditar que o risco da
saída do Brasil do projeto seja mínimo. "Admito como possibilidade uma renegociação do acordo
original", diz. Mas ninguém é capaz de antecipar as modificações.
Confrontado com a informação
de que a Nasa estaria estudando a
exclusão da participação brasileira, Dias respondeu: "A Nasa sempre elabora planos de contingência. O Express Pallet vai ter de ser
fabricado por alguém, de algum
jeito. Entenda isso como quiser."
A participação do Brasil na ISS
se dá de forma diferenciada dos
outros parceiros no complexo.
Enquanto todos eles são sócios,
respondendo pelo consórcio responsável pela estação (que inclui,
além dos EUA, Japão, Canadá,
Rússia e países europeus), o Brasil
é apenas um participante ligado
aos EUA. Por isso, os EUA podem
optar por excluir o Brasil e tomar
para si a responsabilidade.
No acordo com os EUA, o Brasil
forneceria as peças em troca do
treinamento de um astronauta
para a ISS e de espaço para experimentos no ônibus espacial americano e na própria estação. O major-aviador Marcos Pontes já está
em treinamento nos EUA desde
1998 e está certificado para voar,
embora ainda não tenha data de
decolagem. Seu treinamento é
atualmente pago pela AEB. Caso o
Brasil saia do projeto, sua situação
no país fica indefinida.
Problema geral
Orçamentos estourados não são
só um problema brasileiro na ISS.
Todos os parceiros do projeto já
tiveram seus problemas com a subestimação dos recursos exigidos
para a execução do programa.
A Rússia atrasou em um ano o
lançamento do módulo que permitiria a continuidade do projeto.
Os EUA reduziram o escopo de
sua participação recentemente, limitando a capacidade científica
do complexo, para protesto dos
demais parceiros. O Japão está
com dificuldades para cumprir
seus prazos. "Todos os países envolvidos estão enfrentando suas
dificuldades", diz Dias. Mas, enquanto os outros países são sócios
e têm uma parcela muito maior
do projeto, o Brasil está na frágil
condição de mero participante,
com contribuição bem reduzida.
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