São Paulo, domingo, 19 de julho de 1998

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PERISCÓPIO
Os príons e as doenças cerebrais no homem

JOSÉ REIS
especial para a Folha

O homem e vários animais domésticos são sensíveis a uma doença grave e mortal chamada de encefalopatia espongiforme transmissível (TSE) ou doença produzida por príons. Exemplo da doença animal desse tipo é a BSE, que provocou recente epizootia (doença que ataca diversos animais ao mesmo tempo) no Reino Unido. Exemplo humano é a doença de Creutzfeldt-Jakob, caracterizada por placas típicas no cérebro, além de aspecto esponjoso.
Os príons, cuja descoberta valeu a S. Prusiner o Prêmio Nobel, são por ele identificados como microscópicos fragmentos de proteína priônica (PrP) anormal e pura. Alguns pesquisadores descreveram outras substâncias nessa proteína, inclusive ácidos nucléicos, mas Prusiner proclama que o príon é "só proteína". A. Aguzzi e C. Weissmann afirmam todavia que o conceito de Prusiner não tem definição precisa e, na maior parte das vezes, é apenas um termo operacional para o agente transmissível, sem implicações estruturais. Essas divergências têm provocado algumas pesquisas, embora a maioria dos pesquisadores opte pela hipótese de Prusiner.
Admite-se que a lesão cerebral nas doenças priônicas surja quando a proteína priônica anormal penetra no cérebro e provoca a transformação da proteína normal na anormal, que causa a doença.
G. Raymond e colaboradores organizaram um teste bioquímico isento de células para reconhecer as relações entre várias moléculas normais e anormais de PrP e verificaram uma fraca, porém detectável, interação positiva de PrP normal humano, o que sugere a possibilidade de transmissão da BSE ao homem.
Duas outras experiências, de A. F. Hill e M. E. Bruce e respectivos colaboradores, sugerem que um agente semelhante cause tanto a BSE quanto a variante da CJD que apareceu no Reino Unido quando a epizootia referida estava acabando. Não existe todavia indicação da maneira pela qual a BSE possa ter sido transmitida de bovinos ao homem.
Observações epidemiológicas mostram que a variante se alastrou, aumentou de incidência e atacou trabalhadores rurais expostos ao gado, mas o quadro patológico desses trabalhadores não coincidia com o da variante. Além disso, na Itália, onde a variante apareceu em trabalhadores que lidavam com o leite, não se verificou a presença da BSE.
Outro ponto interessante foi a tentativa de incluir entre as BSE doenças como o Alzheimer, o diabetes tipo 2 e outras em que há a proteína fibrilar chamada amilóide, iniciativa que malogrou.
Em vista dessas e de outras dificuldades, imaginou-se a transmissão por vírus, ainda não provada. Tudo mostra pois que o terreno das doenças priônicas ainda é movediço e Bruce Chesebro ("Science" 279, 42. 98) concita os cientistas a estudos mais aprofundados que possam servir de base à produção de medicamentos.



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