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São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 2003

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NEUROCIÊNCIA

Análise estatística de volume e frequência de frases em 12 línguas sugere coincidência com intervalos de notas

Escalas musicais imitam a fala humana

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pesquisadores americanos dizem ter encontrado a chave para entender por que as pessoas percebem as escalas musicais, e as combinações de notas criadas com elas, como harmoniosas. Para eles, as frequências mais intensas da própria fala humana estão por trás dessas escalas.
Para o psicólogo cognitivo David Schwartz, 38, e seus colaboradores da Universidade Duke, na Carolina do Norte, é quase certo que as combinações de notas mais usadas para compor música no planeta ganharam predominância porque refletem o ambiente acústico comum à maioria dos seres humanos -o ambiente criado pelos sons da fala.
Schwartz explica que o trabalho da equipe se concentra em entender como os sentidos humanos percebem o mundo. "A idéia com que trabalhamos é que a percepção não funciona simplesmente decompondo os estímulos visuais e auditivos em pedacinhos e depois remontando-os no cérebro. É a história evolutiva e individual que cria um contexto no qual escutamos ou vemos as coisas, com base no que vimos ou escutamos antes", afirma.
Em busca de um exemplo do universo acústico ao qual aplicar essa idéia, o grupo acabou escolhendo a música por causa da multidão de dados disponíveis e porque a existência das escalas musicais, por si só, parecia exigir a existência de uma estrutura que as tivesse gerado. A fala, por ser o estímulo sonoro mais comum recebido por qualquer pessoa desde o nascimento, parecia ser a candidata ideal para esse papel.
A hipótese foi testada com o exame de uma batelada de 6.300 frases em inglês faladas por homens e mulheres de várias regiões dos Estados Unidos, além de mil outras em persa, francês, alemão, hindi, japonês, coreano, chinês, espanhol, tâmil e vietnamita.

Volume e frequência
Essa pequena Babel foi analisada de forma a levar em conta qual a amplitude (ou seja, o volume) média usada em cada frequência sonora, primeiro para cada falante e depois para o grupo todo em cada língua. "Como existem variações causadas por sexo, idade, estado emocional etc., você precisa achar a moeda comum daquelas falas", diz Schwartz.
O resultado mostrou concentrações claras de volume em algumas frequências -os pontos da fala em que há maior concentração de energia (veja o quadro acima, à direita). Apesar das grandes diferenças entre as línguas da amostra, a coincidência entre esses pontos quentes da fala foi grande em todas elas.
A coincidência veio quando a variação entre essas frequências prediletas foi comparada à que aparece na chamada escala cromática, formada por 12 tons e semitons e presente nas teclas pretas e brancas de qualquer piano (de um dó ao dó seguinte, por exemplo). Nada menos que 9 dos 12 intervalos dessa escala tinham correspondentes quase exatos nos sons da fala humana.
"Se você excluir a música experimental, que ninguém escuta mesmo, acho que isso nos dá uma idéia boa de por que achamos algumas combinações de sons agradáveis e outras desagradáveis", brinca Schwartz. Ele toca bateria como amador em bandas de rock e diz ser "tocador de violão de acampamento".
Para Luiz Tatit, músico e pesquisador do Departamento de Linguística da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), a coisa não é tão simples assim. "Existe relação entre música e fala, mas mais pela direção da melodia que a entonação da fala costuma ditar nas canções", afirma. Segundo ele, a música oriental tem um sistema de tons que difere radicalmente dos usados no Ocidente. "São escalas arbitrárias, definidas culturalmente", diz o pesquisador.
Schwartz, contudo, diz que a maior parte da música feita no mundo usa pelo menos parte dos tons ligados ao espectro da fala humana. "Claro que há espaço para variações, geradas pelo próprio ambiente sonoro distinto daquela cultura. Mas acho que os picos de energia que encontramos são gerados pela própria anatomia dos órgãos que produzem a voz", pondera.
De acordo com Schwartz, os músicos com quem conversa têm recebido bem a hipótese. "Nenhum debochou da idéia, pelo menos não na minha frente", diz. "Muitos parecem contentes com o fato de a estética musical não ser algo arbitrário."


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