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NEUROCIÊNCIA
Análise estatística de volume e frequência de frases em 12 línguas sugere coincidência com intervalos de notas
Escalas musicais imitam a fala humana
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Pesquisadores americanos dizem ter encontrado a chave para
entender por que as pessoas percebem as escalas musicais, e as
combinações de notas criadas
com elas, como harmoniosas. Para eles, as frequências mais intensas da própria fala humana estão
por trás dessas escalas.
Para o psicólogo cognitivo David Schwartz, 38, e seus colaboradores da Universidade Duke, na
Carolina do Norte, é quase certo
que as combinações de notas
mais usadas para compor música
no planeta ganharam predominância porque refletem o ambiente acústico comum à maioria dos
seres humanos -o ambiente
criado pelos sons da fala.
Schwartz explica que o trabalho
da equipe se concentra em entender como os sentidos humanos
percebem o mundo. "A idéia com
que trabalhamos é que a percepção não funciona simplesmente
decompondo os estímulos visuais
e auditivos em pedacinhos e depois remontando-os no cérebro.
É a história evolutiva e individual
que cria um contexto no qual escutamos ou vemos as coisas, com
base no que vimos ou escutamos
antes", afirma.
Em busca de um exemplo do
universo acústico ao qual aplicar
essa idéia, o grupo acabou escolhendo a música por causa da
multidão de dados disponíveis e
porque a existência das escalas
musicais, por si só, parecia exigir a
existência de uma estrutura que
as tivesse gerado. A fala, por ser o
estímulo sonoro mais comum recebido por qualquer pessoa desde
o nascimento, parecia ser a candidata ideal para esse papel.
A hipótese foi testada com o
exame de uma batelada de 6.300
frases em inglês faladas por homens e mulheres de várias regiões
dos Estados Unidos, além de mil
outras em persa, francês, alemão,
hindi, japonês, coreano, chinês,
espanhol, tâmil e vietnamita.
Volume e frequência
Essa pequena Babel foi analisada de forma a levar em conta qual
a amplitude (ou seja, o volume)
média usada em cada frequência
sonora, primeiro para cada falante e depois para o grupo todo em
cada língua. "Como existem variações causadas por sexo, idade,
estado emocional etc., você precisa achar a moeda comum daquelas falas", diz Schwartz.
O resultado mostrou concentrações claras de volume em algumas frequências -os pontos da
fala em que há maior concentração de energia (veja o quadro acima, à direita). Apesar das grandes
diferenças entre as línguas da
amostra, a coincidência entre esses pontos quentes da fala foi
grande em todas elas.
A coincidência veio quando a
variação entre essas frequências
prediletas foi comparada à que
aparece na chamada escala cromática, formada por 12 tons e semitons e presente nas teclas pretas e brancas de qualquer piano
(de um dó ao dó seguinte, por
exemplo). Nada menos que 9 dos
12 intervalos dessa escala tinham
correspondentes quase exatos
nos sons da fala humana.
"Se você excluir a música experimental, que ninguém escuta
mesmo, acho que isso nos dá uma
idéia boa de por que achamos algumas combinações de sons
agradáveis e outras desagradáveis", brinca Schwartz. Ele toca
bateria como amador em bandas
de rock e diz ser "tocador de violão de acampamento".
Para Luiz Tatit, músico e pesquisador do Departamento de
Linguística da FFLCH (Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), a coisa não é tão
simples assim. "Existe relação entre música e fala, mas mais pela
direção da melodia que a entonação da fala costuma ditar nas canções", afirma. Segundo ele, a música oriental tem um sistema de
tons que difere radicalmente dos
usados no Ocidente. "São escalas
arbitrárias, definidas culturalmente", diz o pesquisador.
Schwartz, contudo, diz que a
maior parte da música feita no
mundo usa pelo menos parte dos
tons ligados ao espectro da fala
humana. "Claro que há espaço
para variações, geradas pelo próprio ambiente sonoro distinto daquela cultura. Mas acho que os picos de energia que encontramos
são gerados pela própria anatomia dos órgãos que produzem a
voz", pondera.
De acordo com Schwartz, os
músicos com quem conversa têm
recebido bem a hipótese. "Nenhum debochou da idéia, pelo
menos não na minha frente", diz.
"Muitos parecem contentes com
o fato de a estética musical não ser
algo arbitrário."
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