São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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FUTURO
Três novos estudos dão impulso à produção dos menores motores já desenvolvidos pela ciência
Movido a molécula

MARCELO FERRONI
da Reportagem Local

É uma catraca minúscula, formada por apenas 78 átomos, mas levou quatro anos para ser construída. Seu movimento é limitado; ela emperra antes de chegar à metade de uma volta completa.
No entanto, sua divulgação, no início do mês, foi o suficiente para deixar pesquisadores otimistas. O mecanismo pode não funcionar bem, mas é uma confirmação de que a produção de motores moleculares é cada vez mais viável.
E esse sistema não foi o único a ser anunciado recentemente. Outros dois motores moleculares, que funcionam de formas diferentes, também foram apresentados este mês, em mais um impulso da nanotecnologia, ou o desenvolvimento de mecanismos com bilionésimos de metro.
"Apesar de o motor que construímos não ser muito útil, no final ele prova um princípio. Estou convencido de que motores mais avançados deverão ser criados no futuro", disse, em entrevista por e-mail à Folha, Ben Feringa, envolvido em um dos projetos, da Universidade de Groningen, na Holanda.
Os estudos pertencem à área da nanotecnologia, chamada assim pela primeira vez em 1959 pelo físico norte-americano Richard Feynman, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Física de 1965.
Como disse Feynman, em 1960, "há muito espaço lá embaixo", ou seja, ao menos em teoria, seria possível construir equipamentos com centésimos da espessura de um fio de cabelo.
Na década de 80, Kim Eric Drexler, engenheiro do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), foi um dos responsáveis por levar essa idéia adiante.
Ele imaginava aplicações ainda distantes do alcance da ciência, como a produção de nanorrobôs automontáveis, capazes de exercer funções impossíveis para o ser humano.
"Fizemos uma descoberta fundamental que prova a viabilidade de um motor molecular", continua Feringa. Entre as pesquisas recentes, a que mais chamou a atenção foi realizada por Ross Kelly e colaboradores, da Boston College, nos EUA.
A equipe desenvolveu uma catraca molecular que, ao receber um composto, possibilita o movimento para apenas uma direção, como um rotor ou uma engrenagem (veja quadro ao lado).
"Uma série de mecanismos moleculares havia sido sintetizada, mas uma molécula capaz de produzir rotação unidirecional ainda não havia sido divulgada", escreveram os pesquisadores, na edição de 9 de setembro da revista britânica "Nature".
A criação do "quase-motor" não tem utilidade somente para a miniaturização de mecanismos. A molécula criada pode ajudar a entender como a energia química, na natureza, pode ser convertida em movimento controlado.
Esse estudo pode ajudar cientistas, por exemplo, a compreender os motores moleculares que fazem com que seres unicelulares, como bactérias, possam se locomover.

Sistemas diferentes
Outro estudo sobre motores moleculares, conduzido por Feringa e, entre outros, Nagatoshi Koumura, da Universidade Tohoku, no Japão, foi publicado na mesma edição da "Nature".
O processo de movimentação é outro. O motor, também unidirecional, entra em rotação quando um raio de luz ultravioleta ou uma mudança da temperatura do sistema faz com que átomos de carbono mudem sua disposição dentro da molécula.
Cada processo de "troca" de posição entre átomos provoca a rotação do composto em 180, ou metade de uma volta completa.
A terceira pesquisa foi publicada na edição deste mês da revista "Nanotechnology". Carlo Montemagno e George Bachand, da Universidade Cornell, nos EUA, construíram um motor ao unir uma molécula produzida em laboratório a outra "natural", sintetizada pela bactéria E. coli.
No motor, a molécula produzida pela bactéria, chamada ATP, foi acoplada a um rotor sintetizado em laboratório. O ATP forneceu energia para que o pequeno rotor funcionasse.


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