São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 2002

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FÍSICA

Grupo de 39 cientistas que tem 2 brasileiros fabricou ao menos 50 mil antiátomos; experimento pode revolucionar pesquisa

Cern consegue produzir antimatéria "fria"

LUISA MASSARANI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Cientistas anunciaram ontem em artigo publicado on-line pela revista científica britânica "Nature" (www.nature.com) a obtenção de antiátomos de hidrogênio com velocidades baixas ("frios") e em grandes quantidades. Foram produzidos pelo menos 50 mil átomos de anti-hidrogênio, o elemento mais simples no mundo da antimatéria, dotados de velocidades similares às dos átomos presentes na atmosfera.
O experimento foi realizado no Cern, a Organização Européia de Pesquisa Nuclear sediada na Suíça, e abre caminho para testar de uma forma mais rigorosa alguns dos pilares da física moderna.
A antimatéria é como uma imagem da matéria usual refletida no espelho. Cada partícula elementar tem sua correspondente de antimatéria com mesma massa e carga elétrica oposta. Quando se encontram, partícula e antipartícula se aniquilam, produzindo energia. Inversamente, a energia pode ser convertida em pares de matéria e de antimatéria.
O anti-hidrogênio tem um antielétron (ou pósitron) que orbita um núcleo com um antipróton, em contraste com o elétron e o próton do hidrogênio usual.
Os primeiros átomos de anti-hidrogênio haviam sido produzidos sete anos atrás, mas tinham velocidade quase igual à da luz e duravam poucos bilionésimos de segundo, antes de se destruírem em colisões. Isso era insuficiente para fazer medidas com eles.
O experimento Athena (Antihydrogen Apparatus) reuniu 39 cientistas de seis países e permitiu a produção de átomos de anti-hidrogênio que duram muito mais, na casa dos milissegundos.
"Estamos trabalhando para, no futuro, aprisionar os anti-hidrogênios em armadilhas magnéticas nas quais devem durar horas", afirma o cearense Claudio Lenz Cesar, 38, pesquisador do Instituto de Física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), integrante da equipe do Cern ao lado do ítalo-brasileiro Alessandro Variola, do Instituto Nacional de Física Nuclear da Itália.
O anti-hidrogênio produzido deve permitir novas observações, que podem colocar em xeque o Modelo Padrão, até hoje a melhor descrição física das partículas elementares e suas interações.
O experimento do Athena começou em 2000, quando entrou em operação uma nova máquina para desacelerar antiprótons. Foi o início de uma disputa acirrada entre dois grupos de pesquisa internacionais, ambos no Cern.
De um lado, ficou o grupo Atrap (Antihydrogen Trap), liderado pelo norte-americano Gerald Gabrielse, da Universidade Harvard. De outro, o Athena. Gabrielse disse à Associated Press duvidar do resultado obtido pelos rivais. "Nossa longa experiência com esses experimentos difíceis ressalta que observar a aniquilação simultânea de pósitrons e antiprótons não assegura que anti-hidrogênio tenha sido realmente produzido."
Na avaliação de Lenz, vários fatores permitiram que o Athena chegasse na frente. "Nossa equipe desenvolveu técnicas de produzir e armazenar pósitrons mais eficientes que as do grupo rival. Conseguimos armazená-los em uma taxa 2.000 vezes maior."
Outra vantagem é a técnica de detecção desenvolvida pelo Athena. O anti-hidrogênio é detectado quando se aniquila em contato com a matéria. "Observamos que a aniquilação do antipróton e do pósitron ocorreu no mesmo local e no mesmo instante, significando que os dois chegaram juntos ali", afirma o brasileiro.
Os átomos de anti-hidrogênio são produzidos em uma armadilha eletromagnética, misturando pósitrons e antiprótons previamente resfriados. O anti-hidrogênio é detectado quando se aniquila em contato com a matéria.
O encontro do antipróton com um próton leva à destruição de ambos e à emissão de partículas chamadas píons. Os píons são então registrados num detector, produzindo uma imagem.


Colaborou Ildeu de Castro Moreira, do Instituto de Física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Com agências internacionais


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