São Paulo, segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Texto Anterior | Índice

ENTREVISTA DA 2ª - CAROL GREIDER

Papel da mulher ainda é subestimado na ciência

Prêmios aumentam o reconhecimento feminino, afirma vencedora de Nobel

DIA 5 DE OUTUBRO , o telefone toca muito cedo na casa da bióloga Carol Greider, 48. Aquela ligação mudaria a vida da cientista americana, que em seu cotidiano estuda como os cromossomos podem ser copiados sem falhas. Em segundos, ela saberia que acabara de ganhar o Nobel de Medicina, prêmio de grande prestígio para qualquer pesquisador. Greider, que dividiu a alegria com dois cientistas que estudam o mesmo tema, entrou para a história. Principalmente porque neste ano cinco mulheres receberam a distinção. Para a sociedade em geral, o importante é saber como esses estudos ajudarão a retardar o envelhecimento ou a controlar o câncer.

JANAINA LAGE
DE NOVA YORK

A ganhadora mais jovem do Nobel deste ano, Carol Greider, 48, professora da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, afirma que ainda há uma subrepresentação no número de mulheres que ocupam cargos de destaque na carreira científica. Ela diz ter esperanças de que, conforme novas descobertas tenham sua aplicação comprovada, haja um aumento no número de mulheres ganhadoras de prêmios e reconhecimento da comunidade acadêmica.
O Nobel deste ano premiou cinco mulheres, um número recorde, em áreas como química, medicina, literatura e economia. Greider dividiu o prêmio de US$ 1,4 milhão do Nobel de Medicina com Elizabeth Blackburn e Jack Szostak por resolver um dos grandes problemas da biologia: como os cromossomos podem ser copiados de forma completa durante o processo de divisão celular e como se protegem da degradação.
Eles descobriram que a solução fica nas pontas dos cromossomos, nos telômeros, e na enzima que os "monta", a telomerase. Os telômeros já foram comparados aos plásticos que protegem a ponta dos cadarços de sapatos. A pesquisa tem implicações no tratamento de doenças degenerativas associadas ao envelhecimento e também no tratamento de câncer. Em entrevista à Folha, a pesquisadora fala sobre como recebeu a notícia do prêmio, a necessidade de tornar a ciência um assunto mais discutido na sociedade e sobre a mudança na relação do governo americano com a ciência na era Obama.

 

FOLHA - Como foi receber a notícia do prêmio?
CAROL GREIDER - Eles ligam muito cedo por conta da diferença de horário. Eles me ligaram por volta de 5h da manhã, no horário dos EUA, e eu estava acordada. Normalmente nesse horário pratico exercícios. Estava dobrando roupa na lavanderia enquanto esperava uma amiga para ir a uma aula de spinning.

FOLHA - E continuou cuidando da roupa depois de saber?
GREIDER - Tinha acabado de dobrar a roupa e até hoje não consegui trazê-la para cima...

FOLHA - Como a sra. se interessou por essa área de pesquisa?
GREIDER - Tinha muito interesse desde que era estudante, quando comecei a trabalhar com Elizabeth Blackburn. Estava interessada nos cromossomos e em como eles se mantêm durante a divisão celular.

FOLHA - Já existe uma relação definida entre telômeros e câncer?
GREIDER - Está claro que os telômeros têm de se manter em todas as células que se dividem muitas vezes. E células de câncer são um dos tipos de célula a fazer isso. Nós temos visto em camundongos, usados como modelo, que quando você não tem telômeros é possível bloquear certos tipos de crescimento tumoral. É possível que eles tenham um papel no tratamento do câncer, mas são estudos ainda em curso.

FOLHA - A sra. comentou algumas vezes sobre a importância da curiosidade na pesquisa científica. Como isso se refletiu no estudo?
GREIDER - No momento em que estávamos pesquisando os cromossomos, nós não tínhamos nenhuma doença em mente. Estávamos apenas curiosos porque sabíamos que, a cada vez que uma célula se divide, os cromossomos deveriam ficar mais curtos, mas isso não acontecia. A pesquisa fez a aposta de que talvez houvesse algo que os alongasse, então os cromossomos poderiam encurtar e alongar sucessivamente. Era uma hipótese interessante, então a testamos para verificar o que acontecia com os cromossomos. Com a curiosidade, tínhamos em mente que se conseguíssemos entender os fundamentos de como a célula funciona, poderíamos posteriormente descobrir implicações relativas a doenças humanas. Nós não tínhamos nenhuma doença em mente, apenas a curiosidade de descobrir como resolver o problema.

FOLHA - Quais são as aplicações clínicas do estudo?
GREIDER - Em primeiro lugar, o tratamento de câncer, porque as células cancerosas precisam dos telômeros a fim de se dividir tantas vezes. E mais recentemente ficou claro que há doenças degenerativas associadas ao envelhecimento em que também os telômeros precisam existir para a divisão celular.

FOLHA - A sra. avalia que o estudo poderá ter aplicações na indústria cosmética, que busca esse ideal de juventude eterna?
GREIDER - Há aplicações ótimas no estudo relacionadas a doenças do envelhecimento. A cada ano 20 mil pessoas morrem por doenças degenerativas relacionadas ao encurtamento dos telômeros. Existem doenças sérias para as quais não há tratamento, e é nelas que estamos focando. Não há evidência até agora de que o estudo teria implicações na aparência. Há muita coisa escrita sobre telômeros hoje que se assemelha à ficção científica.

FOLHA - Esta edição foi considerada o Nobel das mulheres, com cinco vencedoras. Como a sra. analisa o papel da mulher hoje na pesquisa?
GREIDER - Ao longo dos anos tem havido um crescente número de mulheres em uma grande gama de cargos, como professoras associadas, professoras universitárias e cargos elevados na administração das universidades. Mas ainda há uma subrepresentação das mulheres que ocupam papéis importantes [de chefia] nos laboratórios fazendo experimentos. Quando estava na graduação, 50% dos alunos da turma e da própria universidade eram mulheres. Agora estou numa posição em que há menos de 10% de mulheres no mesmo patamar.

FOLHA - A sra. quer dizer que há um baixo número de mulheres que atuam na área de pesquisa?
GREIDER - Não há um baixo número de mulheres na pesquisa, os números estão crescendo. Apesar disso, os prêmios só são concedidos depois que se comprovam as implicações médicas da descoberta, o que pode levar bastante tempo. Espero que seja apenas uma questão de tempo, um intervalo, até que mais mulheres sejam premiadas, porque mais mulheres estão atingindo esse patamar.

FOLHA - A sra. avalia que ainda há preconceito na comunidade acadêmica? Há poucos anos, o atual conselheiro econômico do governo de Barack Obama, Larry Summers, disse, quando era reitor de Harvard, que diferenças inatas entre homens e mulheres eram um dos fatores que justificavam o fato de que poucas mulheres teriam êxito em carreiras na ciência e na matemática...
GREIDER - Ao menos entre as cientistas que conheço, soaria como anormal dizer algo tão absurdo. Provavelmente a razão de haver poucas mulheres nessas áreas está ligada a aspectos mais sutis. Alguns homens tendem a se sentir mais confortáveis ao recomendar colegas homens. Há algumas poucas questões sociológicas envolvidas. Tenho visto pouca discriminação clara e aberta. Não penso que precise existir uma discriminação tão franca e aberta [quanto a do comentário de Summers] para perpetuar uma situação em que se tende a ter mais homens atuando nessas áreas.

FOLHA - O fato de que está em curso um processo de envelhecimento populacional, principalmente nos países ricos, aumenta o interesse e a disponibilidade de recursos para esse tipo de pesquisa?
GREIDER - Certamente mais recursos seriam úteis para entender as implicações das doenças ligadas ao envelhecimento. Temos tido sorte de contar com recursos do NIH [Instituto Nacional de Saúde] apesar de muito do que fazemos ser ligado à curiosidade científica. Agora precisamos ir adiante para estudos clínicos.

FOLHA - Como vê a atitude do governo Obama em relação à ciência?
GREIDER - O governo Obama tem uma atitude muito positiva em relação à ciência. Há poucas semanas Obama esteve no NIH. Vemos como o dinheiro do programa de estímulo é empregado. Tanto em termos de ideias ou quanto em relação ao papel da ciência na sociedade e ao apoio material, avalio que tem sido fenomenal.

FOLHA - Alguns ganhadores anteriores fizeram comentários polêmicos, como James Watson, vencedor do Nobel de Medicina em 1962, que afirmou que a beleza feminina deveria ser geneticamente planejada. O Nobel permite a um pesquisador dizer qualquer coisa?
GREIDER - As pessoas vão dizer o que quer que venha a suas cabeças, mas penso que há muita responsabilidade envolvida nessa repentina exposição à mídia. E há pessoas ouvindo você porque você ganhou o Nobel. De outra lado, é uma oportunidade única, porque não ouvimos muito sobre o papel da ciência. Isso não está nos jornais todos os dias, não se fala sobre isso na TV e, no fundo, não fica muito claro para as pessoas o que um cientista faz.
Penso que há uma responsabilidade de colocar a ciência à disposição da opinião pública. Talvez isso seja capaz de arregimentar mais pessoas para que no futuro mais trabalhos possam concorrer a um Nobel.

"Tínhamos em mente que se conseguíssemos entender os fundamentos de como a célula funciona, poderíamos posteriormente descobrir implicações relativas a doenças"
CAROL GREIDER
bióloga molecular

"O governo Obama tem uma atitude muito positiva em relação à ciência. Há poucas semanas ele esteve no NIH. Vemos como o dinheiro do programa de estímulo é empregado. Tanto em termos de ideias quanto em relação ao papel da ciência"
CAROL GREIDER
bióloga molecular



Texto Anterior: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.