São Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 2010

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Escavação resgata "ferrovia da morte"

Arqueólogos aproveitam obra de usina em RO para investigar resquícios da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré

Cacos de louça escocesa e edifícios imponentes confirmam o caráter cosmopolita de vila da era de ouro da borracha


Silva Junior/Folhapress
Restos de locomotiva no centro de Porto Velho

REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO VELHO

O pedaço de louça achado pelos arqueólogos, fragmento de um jarro que se quebrou em algum momento dos anos 1910, tem dois carimbos diferentes indicando sua procedência: o de uma firma brasileira, provavelmente a importadora, e o do fabricante escocês, de Edimburgo.
"Este lugar era extremamente cosmopolita. Havia caribenhos de Barbados, alemães, italianos, ingleses", conta o arqueólogo britânico Alastair Richard Threfall, enquanto tenta explicar a sucessão de camadas de detritos na antiga vila de Santo Antônio do Madeira (RO).
No começo do século 20, esse canto então remoto da Amazônia, perto da atual Porto Velho, era crucial para a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Planejada para escoar a produção de borracha dos seringais brasileiros e bolivianos, a via férrea logo se tornou irrelevante com a queda dos preços do produto no mercado internacional. Agora, Threfall e seus colegas estão usando os dados arqueológicos para entender a ocupação-relâmpago que acompanhou a chamada "ferrovia do diabo".
As escavações, sob responsabilidade da empresa Scientia Consultoria Científica, fazem parte do pacote de compensações exigidas por lei para a construção de um grande empreendimento -no caso, a Usina Hidrelétrica Santo Antônio, no rio Madeira (leia mais abaixo).
O trecho da vila escavado pelos cientistas não será impactado diretamente pela usina e pode, inclusive, virar uma espécie de museu a céu aberto quando a obra terminar. "É um sítio de alto potencial", diz o arqueólogo Renato Kipnis, sócio da Scientia e coordenador do trabalho.
Por enquanto, a equipe está centrando esforços num conjunto de construções na margem da antiga ferrovia. Vários dos prédios não chegaram a ser fotografados, embora constem em mapas da época. "A questão é que nem sempre o mapa reflete o cenário da época, ele pode ser apenas reflexo de um projeto para a área", diz Threfall.
Com base nos dados já obtidos, os pesquisadores já conseguem fazer uma primeira tentativa de reconstruir a sequência de ocupação e abandono no local.
"Sabemos que o muro desta estrutura, provavelmente residencial, recobriu toda esta área quando caiu, o que nos dá uma altura de uns 3,5 m para o prédio quando estava de pé. Depois, o concreto ficou misturado ao sedimento", diz o britânico, que é casado com uma mineira.
Uma área mais elevada ao lado abrigava o que parece ser um escritório ou loja. "A arquitetura é mais imponente, parece que eles estavam querendo causar boa impressão", afirma Threfall.
Construída a duras penas, com centenas de trabalhadores europeus vitimados pela malária -daí a fama macabra-, a ferrovia acabou sendo fechada nos anos 1960. Pistas vindas da área escavadas pela equipe indicam um período de florescimento ainda mais curto, de 1914 aos anos 1940, diz o arqueólogo.


O jornalista REINALDO JOSÉ LOPES viajou a convite da Santo Antônio Energia


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