São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2000

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Colóquio no Rio de Janeiro discute a história da ciência no Brasil do século 19
O Império ligado na ciência

Reprodução
Aparelho telefônico pessoal de d. Pedro 1º; fabricado na década de 1880, foi um dos primeiros a serem instalados no Brasil


Alexandra Ozorio de Almeida
enviada especial ao Rio

Uma tendência às vezes até inconsciente de associar monarquia a atraso social, político e econômico faz com que o início do desenvolvimento científico em sentido moderno, no Brasil, seja injustamente associado ao período posterior à Proclamação da República (1889). De fato, foi na virada do século 19 para o 20 que a ciência ganhou impulso, com expoentes como Osvaldo Cruz e Carlos Chagas. Mas, da chegada da família real portuguesa em 1808 até a queda de d. Pedro 2º, houve um esforço para desenvolver áreas como medicina, astronomia, história e botânica no Brasil, dentro do projeto de desenvolvimento de uma "civilização americana". Para ajudar a resgatar a história da ciência no país, foi realizado no começo do mês no Rio de Janeiro o colóquio "Ciência, Civilização e Império nos Trópicos", organizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e o Museu de Astronomia e Ciências Afins. A chegada de d. João 6º deu grande impulso ao desenvolvimento do Brasil, principalmente do Rio. Em 1809, foi criado o Horto Real, atual Jardim Botânico, para introduzir e selecionar novas espécies vegetais. Em seguida, foram fundados biblioteca e museu reais, o Instituto Vacínico e o Laboratório Químico, entre outros. Mas foi a partir do reinado de d. Pedro 2º que o desenvolvimento científico ganhou mais impulso. Estudante de astronomia e um dos primeiros fotógrafos do país, d. Pedro gostava de ser retratado cercado de locomotivas, barcos a vapor e símbolos de arte, ciência e indústria. Como exemplo de seu interesse, ele cuidava pessoalmente da seleção de pedidos de patente de invenções. O projeto do imperador era tornar mais conhecido o Brasil, emprestando uma imagem mais civilizada ao país. "Todo mundo associa o progresso à República, mas havia uma grande preocupação com civilização no Império. A idéia era que finalmente chegávamos ao grupo das nações civilizadas", afirma Margarida de Souza Neves, da PUC-RJ, que participou do colóquio. Instituição imperial por excelência, segundo Lúcia Guimarães, da Uerj, que também participou do encontro, é o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Fundado em 1838, seu objetivo era corrigir, metodizar, arquivar e publicar documentos da escrita da história do Brasil. Em 1851, o IHGB passa por sua primeira reforma, ampliando e dividindo as áreas de atuação em categorias como filosofia, geografia, linguística, arqueologia e etnografia. Em 1863, é fundada a Sociedade de Geografia. Mas a produção de conhecimento no Império ainda era muito pouco profissionalizada. "São diletantes que se dedicam à ciência mais por curiosidade, pelo caráter enciclopédico", diz Lorelai Cury, da Casa Osvaldo Cruz. O desenvolvimento da ciência envolvia expedições exploratórias pelo país, como a viagem promovida pelo IHGB em 1851 para explorar o rio São Francisco, ou a Commissão Scientifica de Exploração, a Comissão do Ceará. Organizada na década de 1850, depois de anos de preparação, ela partiu rumo aos sertões do Ceará para investigar recursos naturais e humanos. Foram reunidos estudiosos de botânica, mineralogia, astronomia, um escritor (Gonçalves Dias, para redigir a narrativa de viagem) e um pintor, discípulo de Debret. O plano era montar uma expedição composta apenas por brasileiros, em contraponto às inúmeras organizadas pelos europeus, como a Expedição Langsdorff, de 1824. Mas, apesar do grande volume de material coletado, da expedição não resultou nenhuma grande publicação. "A não-existência de materiais publicados após a viagem foi resultado de uma insegurança deles em saber o que fazer com o material", explica Cury.

As exposições universais
Organizadas em caráter mundial em 1851, as exposições universais eram "vitrines do progresso" em que países poderiam ostentar o grau de civilização que tinham atingido. A primeira, em Londres, foi no Palácio de Cristal, feito de aço e vidro, chamado de "catedral do progresso". Divididas nas categorias manufaturas, maquinarias, matérias-primas e belas artes, as exposições assim permitiam que países europeus, americanos, asiáticos e orientais apresentassem as suas riquezas. "As exposições eram a celebração do trabalho e a divulgação da primazia da civilização e da técnica. Elas tinham um caráter enciclopédico, de compreender, classificar e divulgar o existente", afirma Neves. Em um esforço para ser visto como nação moderna e cosmopolita, o Brasil passou a integrar as exposições a partir da terceira edição, Londres-1862, e o Império participaria ainda das edições de 1873, 1876 e 1889. Nesse período, na América do Sul, apenas a Argentina participou da exposição de Paris-1889. D. Pedro 2º cuidava pessoalmente da organização da participação brasileira, que desencadeava uma série de mostras nacionais. Cada província fazia sua exposição e selecionava objetos que eram enviados para uma mostra nacional. Dela eram escolhidas as peças que representariam o país. O Brasil era representado, entre outras coisas, por café, mate, borracha, abelhas, madeira, pedras preciosas, materiais para a construção civil, máquinas de moer cana e de cunhagem e várias máquinas etiquetadas apenas como "máquina", sem explicitar sua função. "Serviam simplesmente como ícones do ingresso do Império na era da civilização e do progresso", explica Neves. Mas, no final, prevalecia a caracterização exótica do país. Em Londres-1862, o Brasil foi premiado pelo café e pela cerâmica marajoara. O imperador se empenhava em mudar a imagem externa do Brasil e de transmitir seu "verdadeiro" aspecto civilizado. Ele visitou pessoalmente a Exposição Universal da Filadélfia-1876. Lilia Schwarcz conta, no livro "As Barbas do Imperador", que d. Pedro 2º lá teria conhecido Alexander Graham Bell, que lhe apresentou sua mais nova invenção, o telefone. Ao testá-lo, o imperador teria dito ao inventor norte-americano que, estando disponível no mercado, o Brasil seria o seu primeiro comprador. O aparelho telefônico de d. Pedro foi um dos primeiros a ser instalado no Brasil.

De olho nas estrelas
Outro importante passo em direção ao desenvolvimento das instituições científicas no país foi a fundação do Imperial Observatório Astronômico. Em 1827, decide-se pela criação de um observatório, para organizar a movimentação do porto do Rio. Entre 1828 e 1844 é estabelecida uma comissão, mas não há acordo, e o observatório não sai do papel. Entre 1845 e 1850 ele efetivamente passa a existir. Uma "parceria" entre o exército e a marinha, o observatório é, até 1870, um apêndice da Escola Politécnica, encarregado de discutir o ensino de astronomia e das efemérides.
Em 1881, o belga Luis Cruls assume o cargo de diretor da instituição. "Cruls tem consciência de como fazer ciência e do que é necessário para fazê-la no Brasil. Sabe que, para fazer ciência, terá de passar por negociações e alianças", afirma Antônio Augusto Videira, da UERJ.
Cruls mantém os cursos de astronomia, cria o "Boletim Meteorológico" e a "Revista Observatório", de periodicidade mensal, em uma tentativa de ampliar o público da astronomia e tornar mais visível a pesquisa feita no observatório. Por meio de seu esforço, o Brasil participa de projetos internacionais, como o primeiro congresso internacional de cartografia celeste.



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