|
Próximo Texto | Índice
CLIMA
Modelo em supercomputador do Inpe mostra equilíbrio alternativo de vegetação, com mais cerrado e Nordeste mais seco
Simulação indica savanização da Amazônia
MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA
O cenário é de um futuro muito
seco: num intervalo de 40 anos,
boa parte da floresta amazônica
se transforma em cerrado e surge
um semideserto no miolo da caatinga. Perece boa parte da biodiversidade equatorial brasileira, e a
escassez de água se agrava ainda
mais no sertão nordestino. Palavra de supercomputador.
O estudo foi realizado no Inpe
(Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais) e aceito para publicação na revista "Geophysical Research Letters" (www.agu.org/grl).Na essência, é uma simulação
digital como as de jogos de computador SimCity e SimWorld, só
que muito, muito mais complexa.
No caso, décadas de mudanças
acontecem em semanas de cálculo com bilhões de dados. Mesmo
que não passe de realidade virtual, porém, os formuladores de
políticas para a Amazônia deveriam prestar atenção ao trabalho.
Pela primeira vez nesse gênero
de pesquisa, foram encontrados
estados de equilíbrio (configurações estáveis de clima e vegetação) para a América do Sul, o que
outras simulações só conseguiam
obter para a África. E logo dois estados de equilíbrio: um que se assemelha ao quadro de vegetação
atual, o que dá uma amostra da
confiabilidade dos modelos usados, e outro bem mais seco.
Como a Amazônia já perdeu
13% da cobertura original de floresta e a pressão só tende a piorar,
há motivo para preocupação.
O desmatamento se concentra
num arco no sul e no leste da
Amazônia, que coincide em parte
com a área vulnerável à savanização (substituição da floresta por
cerrado) indicada no estudo.
Além disso, um de seus efeitos e
da exploração da madeira é ressecar a floresta, o que a torna ainda
mais vulnerável ao fogo.
O temor é que a manutenção
dessa tendência de desmatamento possa fazer com que as regiões
Norte e Nordeste do Brasil escorreguem de um equilíbrio a outro.
A base do estudo virtual realizado pelo engenheiro Marcos Daisuke Oyama, 32, são modelos de
computador para estudar as interações dinâmicas entre clima e vegetação. Ele trabalha no IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço),
em São José dos Campos (SP),
mas desenvolveu os modelos da
simulação para seu doutorado no
Inpe, sob orientação do climatologista Carlos Nobre.
Seis meses de computador
Foram gastos seis meses no supercomputador SX-3 (hoje desativado) do Inpe para rodar as simulações, em 2000 e 2001. Oyama
dividiu o globo terrestre inteiro
em células de 200 km, uma resolução espacial maior do que a tradicional nessas simulações (500
km), para as quais são computadas inúmeras variáveis, como
precipitação, temperatura etc.
A vegetação (dita "potencial")
na mesma célula é definida como
função desses parâmetros, sem levar em conta fatores importantes
na natureza, como o tipo de solo.
Mesmo assim, diz Oyama, a concordância estatística entre a vegetação global indicada pelo modelo no equilíbrio mais úmido e a
existente hoje é de 0,58 numa escala de 0 a 1, uma faixa classificada
como "boa".
Os dois estados de equilíbrio resultaram de pontos de partida diversos. Na primeira simulação,
batizada "FOR", partiu-se de uma
Terra coberta de florestas e, 40
anos de computador depois, chegou-se a uma Amazônia e um
Nordeste semelhantes aos de hoje. Na outra, "DES", tudo era deserto, com exceção das áreas cobertas de gelo -e alcançou-se o
segundo equilíbrio, mais árido.
Uma das hipóteses aventadas
no artigo para explicar o processo
de savanização na parte oriental
da Amazônia, num eixo noroeste-sudeste mais ou menos paralelo à
costa norte e nordeste, é que o
desmatamento desligue uma espécie de correia de transmissão
que leva chuvas do litoral para o
interior. Hoje se especula que um
elo importante dessa correia seja a
evapotranspiração na floresta
amazônica, ou seja, a reciclagem
da água precipitada das nuvens
pelas plantas, que devolvem a
umidade para a atmosfera.
Oyama diz que a hipótese carece de mais pesquisas para ser demonstrada, mas seu artigo deixa o
aviso: "Se o desenvolvimento sustentável e as políticas de conservação não forem capazes de deter a
crescente degradação ambiental
nessas áreas, as mudanças no uso
da terra poderiam, por si sós, empurrar o sistema clima-vegetação
para esse novo estado alternativo
de equilíbrio, mais seco".
Próximo Texto: Panorâmica - Política científica: Brasil ocupa 12,5 milhões com ciência Índice
|