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NEUROLOGIA
Pesquisa observa mudança de conexões em cérebro de camundongo modificado para ter células fluorescentes
Grupo enxerga neurônios em transformação
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Duas equipes de pesquisadores
puderam enxergar diretamente
como o cérebro cria e recria conexões entre células nervosas, mostrando que o órgão tem uma plasticidade respeitável. No futuro, ela
poderá auxiliar o tratamento de
lesões traumáticas, doenças neurológicas e mentais.
"Diretamente" significa isso
mesmo: através de "janelas"
transparentes no crânio de camundongos, de vidro ou de osso
fino, os cientistas puderam enxergar pela primeira vez em animais
vivos, com ajuda de microscópio,
a dinâmica da comunicação entre
as células nervosas, os neurônios.
O impulso nervoso é uma carga
eletroquímica transmitida de
neurônio a neurônio graças a
substâncias chamadas neurotransmissores. O local onde é feita
essa passagem, o espaço vazio entre dois neurônios, é chamado de
sinapse. Cada neurônio tem um
estoque específico dessas substâncias, para poder se comunicar
com seus vizinhos, segundo a
função na qual estão integrados.
Os dois estudos estão publicados na edição de hoje da revista
"Nature" (www.nature.com),
que também editou um terceiro
artigo comentando os resultados.
O dia-a-dia mostra que o cérebro tem uma notável capacidade
de se adaptar a mudanças no ambiente e de formar memórias, dizem os autores do comentário,
Ole Ottersen e Johannes Helm, da
Universidade de Oslo, Noruega.
"Mas até que ponto essa maleabilidade do cérebro adulto depende de rearranjos físicos das conexões entre células nervosas?"
-perguntam Ottersen e Helm.
É basicamente o mesmo problema da fiação elétrica de uma residência. Até que ponto o que existe
suporta o uso que é feito, e até que
ponto é preciso refazer circuitos
para encarar novas necessidades?
Uma primeira resposta foi agora dada pelos experimentos feitos
pelos sete pesquisadores da equipe de Karel Svoboda, do Instituto
Médico Howard Hughes, de Cold
Spring Harbor, Nova York, e por
Wen-Biao Gan, da Escola de Medicina da Universidade de Nova
York, e mais dois colegas.
O primeiro passo obter camundongos transgênicos com neurônios fluorescentes, para permitir a
visualização de modificações pelas "janelas".
Os cientistas queriam enxergar
mudanças em minúsculas protuberâncias das células nervosas conhecidas como "espinhos dendríticos", que agem como receptores
dos impulsos nervosos. Mudança
ou estabilidade nos espinhos, cujo
diâmetro é de cerca de um vigésimo do de um fio de cabelo, são
portanto fundamentais na rede de
conexões dos neurônios.
"Os espinhos são o local de recepção das sinapses. Se as sinapses mudam rapidamente, então
os espinhos não podem ser o local
de estabilidade a longo prazo da
memória. Se, por outro lado, os
espinhos persistem por um longo
tempo, as memórias de longo
prazo podem estar nos espinhos.
Nós descobrimos que alguns espinhos vivem por um longo tempo,
enquanto outros vivem muito
pouco", declarou à Folha o pesquisador Karel Svoboda.
Essa variação na vida dos espinhos foi a principal diferença entre os estudos. A equipe do cientista Wen-Biao Gan notou uma
estabilidade muito maior nos espinhos, 96% deles persistindo durante a vida do camundongo.
Os comentadores Ottersen e
Helm acreditam que as diferenças
podem ser resultado dos diferentes experimentos feitas pelas duas
equipes, que, por exemplo, estudaram áreas diferentes do córtex
(a camada externa do cérebro feita de "matéria cinzenta" e ligada a
funções como a memória).
A equipe de Svoboda também
pôde registrar como os neurônios
reagem a mudanças específicas.
Os cientistas cortaram alguns dos
"bigodes" dos roedores, que são
importantes para o animal recolher sensações do ambiente.
Eles notaram que conexões foram criadas e recriadas mais rápido depois do corte dos "bigodes",
ou seja, o estímulo ambiental causou mudanças nas sinapses.
O detetive de ficção Sherlock
Holmes dizia que o cérebro tem
um número limitado de "escaninhos" para acumular memória,
por isso ele procurava não entulhar o seu com trivialidades.
"Sherlock Holmes está certo, eu
tenho esse terrível hábito de lembrar estatísticas de esportes que
são completamente inúteis e me
impedem de aprender coisas interessantes, como falar português",
disse Svoboda à Folha. "Qualquer
sistema físico vai ter uma capacidade de memória limitada", diz.
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