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AMAZÔNIA
Pesquisa liderada por brasileiro em 23 áreas no Brasil, no Peru e na Bolívia aponta carência de árvores juvenis
Castanhais estão em risco, afirma estudo
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
A castanha-do-pará, um recurso da floresta amazônica que parecia infinito, pode estar com seus
dias contados -mesmo que o
prazo seja medido em dezenas de
anos. Sob ameaça está a grande
estrela do desenvolvimento sustentável, pois sua exploração permite a preservação da floresta.
Um estudo detalhado feito em
23 castanhais no Brasil, no Peru e
na Bolívia mostrou que a exploração intensiva impede a renovação
das árvores mais velhas e que práticas de manejo sustentável precisam ser estabelecidas para evitar
um colapso a longo prazo.
A equipe de 17 pesquisadores de
instituições da América Latina,
Europa e Estados Unidos foi
coordenada pelo brasileiro Carlos
Peres, natural de Belém e há oito
anos professor da Universidade
de East Anglia, Norwich, Reino
Unido. Os resultados da pesquisa
estão na edição de hoje da revista
científica americana "Science"
(www.sciencemag.com).
"Existe uma certa urgência na
implantação de um programa de
manejo e controle da superexploração dos castanhais silvestres",
disse Peres à Folha.
Segundo o pesquisador, as
plantas originárias de viveiros, ou
sementes germinadas a partir do
processo natural de dispersão,
"demorariam várias décadas até
que pudessem substituir árvores
que hoje são velhas e que caracterizam os castanhais persistentemente explorados".
A castanha-do-pará é um caso
único de um produto agrícola exportável que dispensa a lavoura.
Ela é coletada de árvores na floresta de terra firme amazônica. Tentativas com a monocultura da castanha não deram certo.
As castanhas estão entre as
principais fontes de receita de reservas extrativistas. Só na Amazônia brasileira são coletadas 45 mil
toneladas anuais de castanha, que
rendem US$ 33 milhões.
A árvore conhecida pelo nome
científico Bertholletia excelsa é
uma das mais imponentes da floresta. A castanheira-do-pará chega a atingir 50 metros de altura e
pode dar frutos por centenas de
anos. Ela produz "ouriços" contendo de 10 a 25 sementes, as castanhas comestíveis.
Castanheiras adultas podem viver mais de 500 anos, mas muitas
das árvores exploradas hoje são as
mesmas de décadas atrás. Os frutos são coletados quando caem no
chão, antes que chegue uma cutia,
roedor que aprecia as sementes.
As cutias enterram parte dos
achados, e, como nem todas sementes são comidas, cria-se uma
oportunidade para árvores novas
germinarem.
Os pesquisadores mediram o
diâmetro do tronco das árvores
na altura do peito. Essa medida
indica aproximadamente a idade
das castanheiras. Foram medidas
árvores com pelo menos dez centímetros de diâmetro. Árvores
chamadas "juvenis", que ainda
não tiveram a primeira floração
seguida de frutos, têm diâmetro
de até 60 cm.
Árvores novas, fundamentais
para a renovação do castanhal,
eram comuns em locais sem coleta -por exemplo, 43,3% das 224
árvores em Pinkaiti, na reserva indígena Caiapó, Pará, ou um recorde de 75,6% das 78 árvores num
castanhal em Alter do Chão, no
mesmo Estado. Já num local de
coleta intensa, a reserva extrativista Alto Cajari, Amapá, só 0,7%
das 272 árvores eram juvenis.
Para reverter o problema, Peres
e colegas sugerem várias iniciativas: "Plantio de mudas cultivadas
em viveiros; estabelecimento de
quotas de coleta de sementes numa determinada área; e interrupção temporária da coleta de castanhas num determinado castanhal
por dois ou três anos consecutivos, o que pode funcionar em regime de revezamento entre áreas
exploradas ou não num determinado ano".
Segundo o pesquisador paraense, essas medidas são exequíveis,
pois, "mesmo nas áreas comercialmente exploradas há várias
décadas na Amazônia, ainda há
muitos castanhais pouco acessíveis que nunca foram sistematicamente explorados".
O valor da castanheira na sustentabilidade da exploração vai
além. De acordo com Peres, "a
castanheira, em boas condições
de luz, tem uma taxa de crescimento excelente e pode ser usada
como espécie catalisadora do processo de regeneração de capoeiras
jovens ou áreas degradadas".
Além do valor específico da
venda das castanhas, outras vantagens ambientais de plantar castanheiras nas florestas secundárias seriam o aumento dos níveis
de biodiversidade e a retirada de
gás carbônico da atmosfera, cujo
acúmulo contribui para o aquecimento do planeta.
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