São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 2000


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NEUROLOGIA
Cientista discute a consciência
Cérebro e corpo se unem em novo livro

DAVID CONCAR
da "New Scientist"

De onde vêm as emoções? Como as células tornam alguém consciente? Se essas questões fossem propostas há uma década, haveria poucos para respondê-las. Agora, as teorias se multiplicam à medida que os cientistas desvendam o que pode ser uma das últimas fronteiras da ciência.
Antonio Damasio é um deles. Na Universidade de Iowa, nos EUA, esse neurologista português lidera uma equipe que trata e estuda pacientes com lesões cerebrais -que, devido a acidentes ou doenças, perderam a capacidade de sentir medo, reconhecer rostos ou se lembrar quem são.
E qual é a grande descoberta? Com "The Feeling of What Happens" ("A sensação do que acontece", Harcourt Brace, 386 páginas, US$ 28), lançado nos EUA, Damasio parte desses casos para desenvolver uma teoria provocativa sobre a consciência, que coloca o corpo, em vez de somente o cérebro, no centro da ação. Leia a seguir trechos da entrevista com o pesquisador.

Pergunta - Filósofos e místicos já tentaram explicar a consciência. Como é que isso se tornou cientificamente respeitável?
Antonio Damasio -
Acho que os desenvolvimentos recentes indicam que agora parece possível resolver o problema -ou pelo menos estudá-lo com bases científicas. Todos os avanços técnicos na biologia na última década, combinados com novos métodos de produzir imagens do cérebro, estimularam novas teorias.

Pergunta - Poderemos criar um robô que tenha consciência?
Damasio -
Formalmente, a resposta é sim. Mas a capacidade de o robô perceber o mundo será como a nossa? De forma alguma. Isso porque o robô não opera com tecidos vivos. Acredito que o nosso senso de consciência, de ter nossos próprios pensamentos, não vem só do cérebro, mas do fato de que temos um corpo.

Pergunta - No novo livro, o sr. divide a idéia do "self" em três elementos: o "proto self", o "self do núcleo" e o "self autobiográfico". O que essa divisão me diz sobre o que estou experimentando agora, sentado aqui nesse hotel, tomando chá?
Damasio -
O seu "proto self" é a coleção de mapas do cérebro que representam o estado interno do seu corpo, sua corrente sanguínea, o que ocorre no seu coração, na sua postura e assim por diante. Muito desse monitoramento é feito por estruturas ancestrais, que evoluíram no cérebro.
O "proto self" é algo que você não presta realmente atenção a não ser que algo chame a sua atenção no corpo -quando alguém derruba chá quente na sua mão, por exemplo.

Pergunta - E o "self do núcleo", o que ele está fazendo?
Damasio -
Uma vez que você foca um objeto, como eu conversando com você, esse objeto é representado em seu cérebro. E, por sua vez, irá modificar fisicamente a forma como você está. Por exemplo, você me olha e posiciona a cabeça e o pescoço de forma a construir uma percepção adequada de mim. Assim, o que você tem na cabeça agora são duas representações -uma dos sistemas internos de seu corpo em um estado de mudança e uma do objeto externo, ou seja, eu.
Além disso, eu sugiro que há outro nível no cérebro em que essas representações confluem e seu relacionamento é mapeado. Esse é o início do seu "self do núcleo" -um sentimento muito simples, do aqui e agora, de que você existe como um organismo.

Pergunta - O sr. afirma que a consciência não é o cume da evolução. Então o que é o auge?
Damasio -
Todas as criações que vêm da consciência -a moral, as religiões e leis, as artes e as ciências- são o pico. Sem o senso do "self" e o senso do outro, duvido que alguém poderia construir a ética como o fizemos.


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