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+ Marcelo Gleiser
A lua está sempre no céu?
John Wheeler foi uma mistura de artesão, matemático
habilidoso e poeta
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Essa foi a pergunta que Einstein
fez ao então jovem professor de
física da Universidade de Princeton John Wheeler.
Einstein criticava a posição da física
quântica, que estuda as propriedades
dos átomos e das partículas subatômicas, segundo a qual apenas por meio
do ato de medir podemos inferir a
existência de alguma coisa: no caso, a
Lua só existe se alguém a observar.
Claro, Einstein estava sendo sarcástico, tentando expor a posição paradoxal do mundo quântico em que a realidade é determinada pela interação entre o observador e o observado.
Só podemos afirmar que um elétron
existe ao medirmos suas propriedades. Imagino que Wheeler, que foi aluno do também legendário Niels Bohr
- um dos pioneiros da física quântica
-, tenha insistido que, no caso dos
átomos e das partículas, a situação era
estranha mesmo. Wheeler, que morreu na semana passada aos 96 anos,
foi um dos grandes nomes da física do
século 20, testemunha de acontecimentos que mudaram a história.
Freeman Dyson, outro monstro sagrado da física que felizmente ainda
está vivo, encontrou o melhor modo
de definir Wheeler: uma mistura de
artesão, matemático habilidoso e poeta. Wheeler foi um daqueles raros
cientistas visionários, capazes de enxergar os caminhos futuros da física
antes de seus colegas.
Um exemplo disso foi o modo como
ele, nos anos 1950, transformou o estudo da teoria da relatividade geral de
Einstein em algo aceitável no currículo de física.
A teoria, devido às poucas observações e testes acessíveis na época, estava relegada ao quase esquecimento.
Wheeler começou a ensinar relatividade geral em Princeton, influenciando toda uma geração de físicos teóricos. Dentre eles, o grande físico brasileiro Jayme Tiomno, que obteve vários resultados fundamentais quando
trabalhou com Wheeler.
Outra característica de Wheeler era
sua habilidade de combinar idéias de
áreas diferentes, criando algo novo.
No final dos anos 1930, junto com
Bohr, visualizou o núcleo atômico como uma gota. Quando a gota era atingida por um nêutron, ela se dividia (fissionava). Essa idéia explicava de
forma simples o processo de fissão
nuclear, que está por trás da bomba
atômica e da geração de energia em
usinas como Angra 2, no litoral do Rio.
Wheeler trabalhou no Projeto Man-hattan, que desenvolveu a bomba atômica entre 1942 e 1945, e mais tarde
no desenvolvimento da poderosa
bomba de hidrogênio, motivado por
um patriotismo que incomodou vários de seus colegas mais liberais.
Talvez sua contribuição mais popular seja ter inventado o nome "buraco
negro" para designar o estado final do
processo de colapso gravitacional sofrido por estrelas com massas bem
maiores do que a do Sol.
O nome, aparentemente, foi inspirado por uma pergunta durante uma
palestra que Wheeler deu em Nova
York no ano de 1967. Quando uma estrela chega ao fim de sua vida, implode
sobre si mesma com tremenda violência. A gravidade à sua volta aumenta
de tal forma que nem mesmo a luz pode escapar: o resultado é um buraco
no espaço, de onde nada (ou quase nada) sai. Daí o nome.
Lembro-me de uma conferência em
Princeton em 2003, celebrando seu
nonagésimo aniversário. Wheeler ouviu as várias apresentações, inclusive
a minha, em completo silêncio.
Ao fim, levantou-se e, com voz trêmula, agradeceu a todos os presentes.
Declarou sua tristeza em ver o mundo
divido em cruzadas religiosas e previu
que uma grande conflagração ocorreria antes de chegarmos à paz.
Espero que essa sua última previsão
esteja errada.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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