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São Paulo, terça-feira, 20 de maio de 2003

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BIODIVERSIDADE

Dúvidas sobre espécies comerciais motivaram a decisão; nova relação, com crustáceos, sai em até 3 meses

Ibama exclui peixes de lista de ameaçados

Paulo Santos - 12.dez.2000/Associated Press
Ribeirinho exibe pirarucu capturado no Amazonas; peixe ficou fora da lista vermelha do Ibama


CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

O Ministério do Meio Ambiente frustrou cientistas ao adiar a inclusão de peixes e crustáceos na lista oficial dos animais ameaçados de extinção, que será publicada nesta quinta-feira. A decisão foi baseada no temor de que espécies de interesse econômico ou social passassem a ter um maior grau de proteção. E, em tempos de Fome Zero, reflete o dilema do governo entre conservar espécies e alimentar a população.
Os peixes eram a principal novidade na chamada lista vermelha do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que passou 13 anos sem atualização. Na última edição, de 1989, eles não haviam sido incluídos porque não havia dados sobre a situação das espécies brasileiras.
A nova versão da lista indica que 166 espécies de peixe estão em perigo. A maior parte -136- são animais de água doce, cujas populações declinaram principalmente devido à construção de hidrelétricas, à poluição dos rios e à destruição das matas ciliares.
Numa reunião em março, o MMA pediu que peixes e invertebrados marinhos ficassem de fora até que fossem definidos critérios para sua exploração.
Segundo o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Ribeiro Capobianco, a lista de peixes e invertebrados aquáticos -que inclui caranguejos, camarões e lagostas- deverá ser publicada à parte em dois ou três meses, depois que um grupo de trabalho criado pelo ministério reavaliar a lista e definir os critérios. Entre eles pode estar o zoneamento da pesca -a captura dos animais de acordo com o grau de ameaça nas regiões ou bacias hidrográficas do país.

Retrocesso
"Não era o que nós queríamos", afirmou à Folha a bióloga Gláucia Moreira Drummond, da Fundação Biodiversitas. "O que seria um avanço em relação a 1989 acabou não acontecendo."
O coordenador geral da lista de peixes, Ricardo Rosa, da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), se disse frustrado com a decisão do ministério. "Todos os grupos se mostraram contrários, mas eles [do MMA] foram inflexíveis e resolveram protelar crustáceos e peixes", disse o pesquisador.
Segundo Rosa, o critério econômico é insuficiente para justificar a exclusão dos peixes da primeira versão da lista. "Menos de 5% das espécies listadas têm importância econômica", afirmou. Peixes que são importantes para a pesca artesanal ou comercial, como pirarucu e sardinha brasileira, foram excluídos pelos próprios cientistas.
"Foi meio tolo. Quando uma espécie é abundante o suficiente para ser alvo de pesca, ela não está ameaçada", afirmou o zoólogo Flávio Lima, do Museu de Zoologia da USP, coordenador da lista de peixes de água doce.
No caso dos crustáceos, a discussão vem de antes. O grupo inclui animais explorados em todo o litoral brasileiro, como o guaiamu (Cardisoma guanhumi), de cuja captura vive 1 milhão de pessoas, segundo o Ibama -que teriam de ser presas por crime ambiental, inafiançável, caso o animal fosse para a lista.
De acordo com a pesquisadora Fosca Pedini Pereira Leite, que participou da lista de crustáceos, a falta de informações detalhadas sobre os invertebrados marinhos provocou dúvidas sobre sua inclusão -questões que devem ser respondidas em um novo estudo conduzido por cientistas que participaram do projeto e o Ibama.
"O Ibama não vai retirar um animal da lista sem consultar os pesquisadores", diz. "A questão não foi tirada de pauta".
Segundo Capobianco, a decisão do MMA de postergar a lista dos aquáticos tem dupla motivação. Primeiro, "a publicação de uma lista integrada traria uma idéia equivocada de que [o número de ameaçados] aumentaria três vezes em relação à anterior". Depois, um problema de legislação: os peixes não são considerados parte da fauna, mas recursos econômicos, sujeitos à recém-criada Secretaria Nacional da Pesca.
Segundo Capobianco, ao definir um peixe ou crustáceo como espécie em perigo, o MMA teria de garantir punição severa aos infratores e poderia perder na Justiça contra quem se sentisse prejudicado. Drummond diz que concorda com a argumentação, mas observa: "Se essa era uma preocupação, eles poderiam ter mandado representantes às discussões".

Colaborou CRISTINA AMORIM, da Folha Online


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