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Marcelo Gleiser
Sobre os campos
Os campos quânticos volta e meia aparecem citados em livros e filmes esotéricos
O conceito de campo é um desses que, quando usados fora
de contexto, dão vazão a mil e
uma distorções. Claro, falo aqui dos
campos da física, não dos de esportes.
Eu me lembro, quando era garoto,
de assistir à série "Perdidos no Espaço", e de como a espaçonave deles
-acho que se chamava Júpiter 2- tinha um campo de força que a protegia
de eventuais invasores, uma espécie
de escudo invisível e muito eficiente.
Essa noção de campo de força era
mesmo meio mágica e parecia ser coisa do futuro, de ficção científica. Mal
sabia eu então que nosso próprio planeta também tem um campo de força,
no caso o campo magnético terrestre,
que nos protege de outros invasores
do espaço, os raios cósmicos e a radiação e as partículas vindas do Sol.
Foi durante o século 19 que o conceito de campo tomou forma, a partir
dos trabalhos do inglês Michael Faraday e do escocês James Clerk Maxwell. Faraday era o físico experimental por excelência, brilhante em sua
intuição sobre as propriedades da eletricidade e do magnetismo. Foi ele
quem descobriu que o magnetismo
pode gerar uma corrente elétrica.
O experimento é bem simples: basta
ter um imã e um fio circular. Passando
o imã dentro do fio, como uma bola de
basquete no aro da cesta, cria-se uma
corrente elétrica no fio. O essencial
aqui é que o imã tem de estar em movimento. Faraday visualizou o resultado de sua experiência através do que
chamou de "linhas de força", representações espaciais da presença da
eletricidade e do magnetismo nos objetos. Por exemplo, uma carga elétrica
esférica tem linhas de força que emanam radialmente do seu centro, feito
cabelos no estilo punk.
Maxwell generalizou as idéias de
Faraday, criando o conceito de campo.
Essencialmente, o campo reflete a
presença de alguma fonte no espaço à
sua volta. Por exemplo, o campo da
carga elétrica é esse conjunto de linhas de força radiais. Mesmo sem vermos a carga elétrica, podemos sentir
sua presença por meio de seu campo.
Basta aproximarmos outra carga elétrica dela e observaremos que, se for
positiva, será repelida, e se for negativa, será atraída. Maxwell obteve as
equações que descrevem o comportamento dos campos elétricos e magnéticos criados por cargas e imãs, mostrando que são manifestações de uma
coisa só, o campo eletromagnético.
Eis outro exemplo de campo. Você é
uma fonte de calor. Aproxime a mão
de sua testa. Você sentirá calor emanando dela; quanto mais longe da testa, menor a temperatura. (A menos,
claro, que esteja muito quente no
quarto. Vamos supor que a temperatura do quarto seja de uns 15 graus
Celsius, bem mais baixa do que os 36,5
graus de um ser humano normal.)
Existe um campo de temperatura à
sua volta, cuja intensidade diminui
em função da distância.
Com o desenvolvimento da física
atômica, o conceito de campo ganhou
ainda mais importância. Hoje os físicos representam as partículas elementares da matéria (elétrons, quarks
etc.) como sendo flutuações de um
campo, no caso, do campo dos elétrons e dos quarks. É comum não se
falar mais de partículas, apenas de
seus campos associados e de como
eles interagem entre si.
Tudo isso ocorre a distâncias subatômicas, completamente fora do alcance dos nossos sentidos e sem nenhum efeito macroscópico. Esses são
os campos quânticos, que volta e meia
aparecem citados em livros e filmes
esotéricos. Ao que tudo indica, sua
ação só é relevante em escalas submicroscópicas. A união espiritual do homem com o cosmo ocorre por meio de
nossa busca por significados. Aí sim a
física pode oferecer um caminho, uma
visão de mundo.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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