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LINGÜÍSTICA
Pesquisa feita por americano com índios pirahãs sugere que língua que se fala pode determinar pensamento
Tribo do Amazonas só sabe contar até três
CRISTINA AMORIM
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Uma pesquisa feita no Brasil por
um cientista americano deve esquentar um debate corrente entre
lingüistas: o idioma que se fala determina a natureza e o conteúdo
do pensamento?
De acordo com Peter Gordon,
da Universidade de Columbia
(EUA), que assina o estudo, na
edição de hoje da revista "Science" (www.sciencemag.org), a resposta é afirmativa no caso dos pirahãs, índios que levam uma vida
seminômade no Amazonas e que
mantêm isolamento da sociedade
brasileira. Com base em viagens
que fez à região, ele tentou definir
se pessoas inseridas em sociedades com sistemas numéricos imprecisos, expressos em poucas palavras, conseguem realizar tarefas
proporcionalmente complexas.
Muitas culturas usam os dedos
das mãos como base para um sistema decimal. Outras se baseiam
em uma contagem binária: 1, 2, 1 e
2, 2 e 2, 2 e 2 e 1, assim por diante.
Porém, todas as estruturas lingüísticas estudadas do mundo,
das mais complexas às mais simples, contêm palavras que indicam quantidades numéricas.
Os pirahãs utilizam um sistema
numérico expresso em três palavras: "hói", que significa "um";
"hoí", usado para dois; e "baagi" e
"aibai", aplicado para determinar
"muitos". "Hói" também pode
ser usado para "cerca de um" ou
"um punhado".
Na tribo, o pesquisador promoveu uma série de atividades. Em
uma das experiências, os participantes (seis homens e uma mulher adultos) tinham de repetir
padrões simples: de um lado,
Gordon desenhava uma série de
linhas ou enfileirava pilhas. Do
outro, eles repetiam a ação.
Quando trabalhavam com apenas uma ou duas linhas, os pirahãs cumpriam a tarefa com facilidade. O panorama mudava quando mais itens eram incluídos no
jogo. Os pirahãs deixavam não
apenas de contar, mas de desenhar também -apesar de se esforçarem para cumprir as tarefas,
emitindo suspiros prolongados,
como notou o cientista. Mesmo
em atividades realizadas diariamente, os índios tiveram dificuldade em diferenciar quatro de
cinco peixes, por exemplo.
Na média
Os índios amazônicos cumpriram relativamente bem as tarefas,
assim como estudantes do ensino
médio se saem bem ao resolver
equações acima de seu nível.
A pesquisa de Gordon, no entanto, mostra que os pirahãs fazem "aproximações" para quantidades acima de três -mesmo
quando não havia palavras para
expressar os números.
O caso dos pirahãs mostra que a
linguagem pode ser incomensurável, ou seja, pode conter conceitos impossíveis de ser traduzidos
de uma língua para outra. "Essa
característica poderia limitar o
pensamento, mas também é possível que alguns conceitos sejam
independentes", disse Gordon à
Folha. De acordo com ele, o mesmo perfil pode ser encontrado em
aborígenes na Austrália e em algumas tribos na África.
"Por outro lado, a língua pirahã
é particularmente complexa, especialmente com relação à estrutura verbal", afirma. Para o pesquisador, isso significa que o desenvolvimento da cultura não está ligado à complexidade da linguagem, mas que a função cognitiva pode ser reprimida.
"O estudo", diz, "apenas fornece pistas sobre como a quantificação pode estar relacionada a uma
vida que exige os números". Em
última instância, que as palavras
só surgem quando necessárias.
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