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São Paulo, sábado, 20 de setembro de 2003

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GENÉTICA

Pesquisador brasileiro descobre estruturas com funções essenciais em região do genoma antes considerada inútil

DNA-lixo abriga "interruptores" de gene

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A ÁGUAS DE LINDÓIA

Imagine revirar o lixo e achar uma jóia. Ou andar pelo deserto e achar um oásis. Foi o que fez o pesquisador brasileiro Marcelo de Aguiar Nóbrega com o código genético humano. Ele foi aonde se dizia que não havia nada e achou estruturas fundamentais para o desenvolvimento de um ser vivo.
Esse "deserto de genes" não é tão deserto assim. O chamado "DNA-lixo" pode ter jóias escondidas. DNA é a sigla em inglês para ácido desoxirribonucléico, a substância responsável pela transmissão de características de pai para filho.
O lado bom da notícia é o aumento do conhecimento sobre o processo de formação dos seres vivos. O lado "ruim" é o trabalho adicional que vai causar a outros cientistas, empenhados em entender a relação entre o genoma -o conjunto do material genético- e o risco de contrair doenças. Descobertas como as de Nóbrega não tendem a ser populares entre seus colegas, já que dificultarão essa missão.
Se antes apenas os genes eram considerados as chaves da questão, agora é preciso ir além. Genes são as unidades do código genético, as "receitas" das proteínas, que são os "tijolos" da vida.

Arquitetura regulatória
Apenas de 1% a 2% do genoma humano é codificante, responsável pelas instruções para a produção de proteínas. Mas o código não é tudo. Existe uma arquitetura regulatória que decide como e quando o código entra em ação e produz proteínas -como e quando ele se "expressa", na linguagem dos biólogos.
O resto foi apressadamente batizado de lixo. Boa parte de fato não serve para nada, relíquias da evolução biológica. "Mas pistas foram deixadas no genoma pela evolução", disse Nóbrega em duas palestras -ontem, no Instituto do Coração, em São Paulo, e anteontem, durante o 49º Congresso Nacional de Genética, em Águas de Lindóia, 170 km ao norte da capital paulista.
Nóbrega, que é pesquisador do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia (Estados Unidos), deve publicar um artigo na revista norte-americana "Science", em outubro próximo, sobre a descoberta de nove estruturas "facilitadoras" em pleno deserto de DNA.
Essas estruturas constituem uma surpresa. Foram achadas longe dos genes, no meio do DNA-lixo, mas são importantes para a regulação de um gene vital. Conhecido como DACH1, ele é responsável pela formação de partes do corpo como o cérebro, os membros ou os olhos. O nome vem de dachshund, o cachorro-salsicha de pernas curtas, já que mutações nesse gene fazem as moscas drosófilas nascerem com membros atrofiados.
Nóbrega compara essas estruturas a interruptores colocados ao longo de um comprido fio elétrico -a cadeia de DNA. Os genes seriam como lâmpadas, e as luzes que produzem seriam as proteínas que eles codificam. Para entender o processo, teoricamente bastaria entender as lâmpadas -mas os interruptores distantes, no meio dos fios, precisam ser levados em consideração, senão tudo fica sem sentido.
Esse deserto pode ser vasculhado em busca de um oásis comparando o material genético humano com o de outros seres vivos. Em média, lembra Nóbrega, o DNA de um ser vivo muda -a chamada taxa de divergência- entre 0,1% a 0,5% a cada milhão de anos. Isso significa que, se determinadas sequências são conservadas por milhões e milhões de anos, deve haver um bom motivo para isso.

Conservação importante
Há genes que permanecem muito parecidos em centenas ou dezenas de milhões de anos -como os cientistas têm visto ao comparar as sequências do material genético de vermes, peixes ou mamíferos como o camundongo, todos seres que tiveram em algum momento ancestrais comuns com os seres humanos.
"A mesma força evolutiva levou essas sequências no meio do nada a serem conservadas", diz Nóbrega sobre as estruturas "facilitadoras" encontradas no meio do deserto gênico.
Se a natureza as preservou por meio bilhão de anos, chegou a hora dos cientistas prestarem atenção nelas. O trabalho de Nóbrega é um bom começo.


O jornalista RICARDO BONALUME NETO viajou a convite da Sociedade Brasileira de Genética.


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