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GENÉTICA
Pesquisador brasileiro descobre estruturas com funções essenciais em região do genoma antes considerada inútil
DNA-lixo abriga "interruptores" de gene
RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A ÁGUAS DE LINDÓIA
Imagine revirar o lixo e achar
uma jóia. Ou andar pelo deserto e
achar um oásis. Foi o que fez o
pesquisador brasileiro Marcelo de
Aguiar Nóbrega com o código genético humano. Ele foi aonde se
dizia que não havia nada e achou
estruturas fundamentais para o
desenvolvimento de um ser vivo.
Esse "deserto de genes" não é
tão deserto assim. O chamado
"DNA-lixo" pode ter jóias escondidas. DNA é a sigla em inglês para ácido desoxirribonucléico, a
substância responsável pela
transmissão de características de
pai para filho.
O lado bom da notícia é o aumento do conhecimento sobre o
processo de formação dos seres
vivos. O lado "ruim" é o trabalho
adicional que vai causar a outros
cientistas, empenhados em entender a relação entre o genoma
-o conjunto do material genético- e o risco de contrair doenças. Descobertas como as de Nóbrega não tendem a ser populares
entre seus colegas, já que dificultarão essa missão.
Se antes apenas os genes eram
considerados as chaves da questão, agora é preciso ir além. Genes
são as unidades do código genético, as "receitas" das proteínas,
que são os "tijolos" da vida.
Arquitetura regulatória
Apenas de 1% a 2% do genoma
humano é codificante, responsável pelas instruções para a produção de proteínas. Mas o código
não é tudo. Existe uma arquitetura regulatória que decide como e
quando o código entra em ação e
produz proteínas -como e
quando ele se "expressa", na linguagem dos biólogos.
O resto foi apressadamente batizado de lixo. Boa parte de fato
não serve para nada, relíquias da
evolução biológica. "Mas pistas
foram deixadas no genoma pela
evolução", disse Nóbrega em
duas palestras -ontem, no Instituto do Coração, em São Paulo, e
anteontem, durante o 49º Congresso Nacional de Genética, em
Águas de Lindóia, 170 km ao norte da capital paulista.
Nóbrega, que é pesquisador do
Laboratório Nacional Lawrence
Berkeley, na Califórnia (Estados
Unidos), deve publicar um artigo
na revista norte-americana
"Science", em outubro próximo,
sobre a descoberta de nove estruturas "facilitadoras" em pleno deserto de DNA.
Essas estruturas constituem
uma surpresa. Foram achadas
longe dos genes, no meio do
DNA-lixo, mas são importantes
para a regulação de um gene vital.
Conhecido como DACH1, ele é
responsável pela formação de
partes do corpo como o cérebro,
os membros ou os olhos. O nome
vem de dachshund, o cachorro-salsicha de pernas curtas, já que
mutações nesse gene fazem as
moscas drosófilas nascerem com
membros atrofiados.
Nóbrega compara essas estruturas a interruptores colocados ao
longo de um comprido fio elétrico
-a cadeia de DNA. Os genes seriam como lâmpadas, e as luzes
que produzem seriam as proteínas que eles codificam. Para entender o processo, teoricamente
bastaria entender as lâmpadas
-mas os interruptores distantes,
no meio dos fios, precisam ser levados em consideração, senão tudo fica sem sentido.
Esse deserto pode ser vasculhado em busca de um oásis comparando o material genético humano com o de outros seres vivos.
Em média, lembra Nóbrega, o
DNA de um ser vivo muda -a
chamada taxa de divergência-
entre 0,1% a 0,5% a cada milhão
de anos. Isso significa que, se determinadas sequências são conservadas por milhões e milhões de
anos, deve haver um bom motivo
para isso.
Conservação importante
Há genes que permanecem
muito parecidos em centenas ou
dezenas de milhões de anos -como os cientistas têm visto ao comparar as sequências do material
genético de vermes, peixes ou mamíferos como o camundongo, todos seres que tiveram em algum
momento ancestrais comuns com
os seres humanos.
"A mesma força evolutiva levou
essas sequências no meio do nada
a serem conservadas", diz Nóbrega sobre as estruturas "facilitadoras" encontradas no meio do deserto gênico.
Se a natureza as preservou por
meio bilhão de anos, chegou a hora dos cientistas prestarem atenção nelas. O trabalho de Nóbrega
é um bom começo.
O jornalista RICARDO BONALUME NETO
viajou a convite da Sociedade Brasileira
de Genética.
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