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MICRO/MACRO
A cosmologia e a origem da matéria
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Uma das questões mais profundas sobre o Universo é talvez
uma das mais simples: Por que
existe algo em vez de nada? Essa
pergunta, tão antiga quanto a
história nos permite saber, foi
inicialmente respondida por
meio da religião. Várias culturas
criaram histórias, mitos de criação, com explicações sobre a
existência do mundo material.
Como não podia deixar de ser,
a cosmologia moderna também
oferece explicações para a existência material do Universo, obviamente sem alçar mão de uma
força sobrenatural. O que distingue as propostas modernas das
anteriores é que elas são idéias
testáveis, ou seja, elas obedecem
aos rigorosos testes aplicados a
teorias científicas, antes (e mesmo depois) de essas serem aceitas como explicações viáveis dos
fenômenos naturais. Das várias
explicações propostas, apenas
uma (ou nenhuma!) será confirmada no futuro, por meio de observações e experimentos.
A idéia mais promissora, segundo este colunista, vem de
uma modificação do modelo do
Big Bang conhecida como universo inflacionário. O modelo do
Big Bang descreve o Universo
surgindo, há aproximadamente
15 bilhões de anos, de um estado
extremamente denso e quente.
Mas o que é esse estado inicial,
denso e muito quente? Segundo
o modelo inflacionário, no início
nenhum tipo de matéria existia
no Universo. Não existiam elétrons, fótons, prótons ou seus
constituintes conhecidos como
quarks. Apenas o que chamamos
de "energia de vácuo" existia. O
leitor pode pensar que "energia
de vácuo é só um nome científico para Deus!". Nada disso. Vácuo significa o estado de menor
energia possível de um sistema
de partículas, em geral um estado "vazio", em que não há partículas de qualquer tipo. O vácuo
da física é um nada material.
Como nos ensina a mecânica
quântica, o vácuo absoluto, a ausência total de energia, não existe. Existirão sempre pequenas
flutuações de energia, como pequenas ondas na superfície do
mar, que podem, por instantes,
ser transformadas em partículas,
como explica a relação E=mc2.
Essa dança de transformação de
energia em partícula e de volta
ao vácuo é chamada de flutuação
de vácuo. Em física de partículas,
o vazio absoluto não existe.
As teorias que descrevem como as partículas de matéria interagem admitem, em geral, dois
(ou mais) tipos de vácuo, chamados de vácuo verdadeiro e vácuo falso. O vácuo falso é instável e, após algum tempo, "decai" no vácuo verdadeiro. Um
exemplo familiar desse tipo de
transformação ocorre quando
resfriamos rapidamente o vapor
d'água abaixo de seu ponto de
condensação, de 100C. O vapor, nesse estado super-resfriado, está em seu vácuo falso. Aos
poucos, gotas de água irão se
formar em seu interior, e o vapor
resfriado irá se transformar em
água -o vácuo verdadeiro em
temperaturas abaixo de 100C
(mas acima de 0C!). Ao decair,
o vácuo falso libera uma grande
quantidade de calor.
Segundo o modelo inflacionário,
o Universo primordial também
surgiu de um estado de vácuo
falso. Durante esse estágio, ele
expandiu de forma extremamente rápida, daí o nome inflacionário. Após algum tempo, o
vácuo falso decaiu e o Universo
passou a habitar seu vácuo verdadeiro, como a água em seu estado líquido. Durante a passagem de um vácuo a outro, que é
extremamente dramática e objeto de pesquisa deste colunista,
uma quantidade enorme de calor foi liberada. Esse, segundo o
modelo, é o calor do Big Bang!
Para o Universo inflacionário, o
Big Bang é produto do decaimento do Universo de seu vácuo
falso em seu vácuo verdadeiro.
Resta compreendermos por que
o Universo iniciou sua existência
no estado instável. Várias idéias
foram propostas, e algumas delas serão testadas nos próximos
anos por meio de uma vasta rede
de experimentos e observações
astronômicas. Como toda boa
teoria científica, a decisão final
não fica por conta de sua beleza
ou de nossa fé, mas por conta
dos dados experimentais.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "A Dança do Universo"
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