São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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Watson foi censurado, diz chinês

Cientista que estuda relação entre genes e inteligência defende Nobel que deu declaração racista

Segundo Bruce Lahn, da Universidade de Chicago, descobridor do DNA foi apenas insensível em sua fala sobre os africanos

MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO

Bruce Lahn, um dos principais estudiosos da relação entre genes e inteligência, defende o colega James Watson das acusações de racismo. Para o geneticista da Universidade de Chicago, as recentes declarações de Watson foram apenas insensíveis: "Quando se trata de ciência relacionada a diferenças raciais, é impossível ser puramente "científico'", disse.
Lahn diz que "não há dúvida" de que genes podem ser ligados à inteligência e reafirma que há estudos mostrando em grupos africanos um desempenho inferior em testes cognitivos como o QI. "É possível que cor de pele e inteligência estejam ligados, mas de maneira indireta e não-causal", disse.
Lahn, chinês que emigrou para os EUA em 1988, já passou pela Universidade Harvard e pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Em 2005, havia publicado artigos polêmicos no periódico "Science" defendendo que africanos e leste-asiáticos têm incidência mais baixa de dois genes relacionados à inteligência, o ASPM e o MCPH1.
Mesmo assim, evitou referendar as opiniões do colega: "Não quero tomar uma posição sobre o assunto, sobretudo em razão da delicadeza do tema", disse. Lahn criticou o cancelamento da apresentação de Watson nesta semana no Museu de Ciências de Londres: "foi uma censura".

 

FOLHA - O sr. concorda com a declaração de Watson ao "The Sunday Times"? ("Todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles [negros] é igual à nossa -quando todos os testes dizem que não é bem assim.")
BRUCE LAHN -
A palavra "todas" é claramente muito forte. A despeito de raça, nossa sociedade tem uma pletora de mecanismos de seleção para pessoas inteligentes assumirem posições adequadas (exames, promoções, eleições etc.). Eu concordaria, porém, que algumas políticas ignoram a possibilidade de que a inteligência pode diferir entre indivíduos e grupos de pessoas. Essas políticas, com freqüência, têm boas intenções. Se elas têm bons resultados, é algo discutível.

FOLHA - Watson pode ser rotulado de racista?
LAHN -
Acho que não. Para mim, um racista é alguém que menospreza um grupo racial unicamente por causa da identidade racial do grupo em si. Não sinto que Watson esteja fazendo isso neste caso. Contudo, ele certamente parece insensível em seus comentários. Ele poderia ter externado sua opinião de modo muito mais sensível. Quando se trata de ciência relacionada a diferenças raciais, é impossível ser puramente "científico". É preciso levar em conta o sentimento das pessoas para a discussão não se degenerar em uma diatribe emocional.

FOLHA - As declarações de Watson têm base científica? Ele é uma autoridade nesse assunto, em particular?
LAHN -
Não sei o quanto ele estudou esse assunto. Contudo, a questão sobre se há diferenças biológicas inatas (incluindo as cognitivas) entre grupos raciais e quão grandes elas são tem sido um tópico de estudo legítimo (apesar de sensível) por muito anos. Há de fato muitos estudos mostrando desempenho inferior de certos grupos (incluindo pessoas de origem africana subsaariana) em relação a outros grupos em testes cognitivos, como o QI. A causa disso está sendo debatida, e algumas pessoas argumentam que há uma base genética nisso, em certa medida. Não estou muito atualizado com a literatura sobre isso, então não quero tomar uma posição sobre o assunto, sobretudo em razão da delicadeza do tema.

FOLHA - Genes podem ser ligados à inteligência? Cor de pele e genótipo podem ser ligados à inteligência?
LAHN -
Não há dúvida de que genes podem ser ligados à inteligência, assim como genes podem ser ligados à cor da pele. Nesse sentido, é possível que cor da pele e inteligência estejam ligados, mas de maneira indireta e não-causal.

FOLHA - O Brasil tem uma população diversa e miscigenada. Como ela se encaixaria nas opiniões externadas por Watson?
LAHN -
Pessoalmente, eu acolho a visão não-comprovada de que a diversidade é provavelmente a melhor condição. É difícil para mim imaginar que um grupo racial seja bom em tudo. Ter uma mistura fornece tanto riqueza quanto adaptação para diferentes trabalhos. Além disso, a mistura genética de vários grupos pode produzir novas formas genéticas que nunca existiram antes, o que seria uma fonte de inovação evolutiva. Watson não tocou nesse assunto, apesar de também não tê-lo negado.

FOLHA - O Museu de Ciências de Londres agiu corretamente ao cancelar uma palestra de Watson?
LAHN -
Pessoalmente, acho que isso é censura. Imagino que o museu estivesse preocupado sobre como eles seriam recebidos pelo público se tivessem autorizado Watson a falar.

FOLHA - Outras declarações de Watson feitas anteriormente podem ser consideradas antiéticas? ("negros têm libido acentuada" ou "mulheres deveriam poder abortar fetos homossexuais".)
LAHN -
Não sinto que o conteúdo dessas declarações tenha cruzado a fronteira da ética, apesar de, como eu já disse, ele ter um jeito muito brusco de dizer as coisas.

FOLHA - Até que ponto pesquisadores podem especular sobre assuntos delicados que envolvem questões políticas e sociais?
LAHN -
Acho que isso é parte de como se obtém o progresso. Se ninguém mexesse com os tabus, nós ainda estaríamos achando que o Sol gira em torno da Terra.


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