São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2000

Próximo Texto | Índice

SAÚDE
Camundongos picados por mosquitos não-infectados mostraram-se resistentes ao surgimento de sintomas da doença
Saliva de inseto protege contra leishmânia

ISABEL GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL

Cuspe de mosquito. Aí pode estar o segredo de uma vacina eficaz contra a leishmaniose, doença que ataca mais de 1,5 milhão de pessoas por ano, causada por protozoários do gênero Leishmania.
Pesquisadores do Niaid (Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, dos EUA) descobriram que a picada de mosquitos não-infectados pela leishmânia funciona como uma vacina, protegendo camundongos contra a forma cutânea da doença, a mais benigna (veja quadro à direita).
Quando, mais tarde, esses animais foram picados por mosquitos com a leishmânia, apresentaram uma produção de substâncias protetoras até 15 vezes superior àquela verificada nos camundongos de controle.

Saliva vacinante
Vacinas são produzidas ou com formas atenuadas de microrganismos que causam as moléstias ou com partes deles. Basta que elas sejam capazes de induzir o corpo a produzir uma resposta imune (de defesa).
A diferença da pesquisa do Niaid para as vacinas tradicionais é que os cientistas conseguiram proteger os animais não por meio da própria leishmânia, ou de partes dela, mas sim por meio da saliva do inseto que transmite a doença, o flebotomíneo.
Ao ser picado pelo inseto sem a leishmânia, o organismo reconhece a saliva como um componente estranho. A resposta direta do corpo contra a saliva afetará, indiretamente, o parasita.
"A saliva do inseto causa uma reação inflamatória na pele. Ao ser picado novamente por um inseto infectado, as células do animal encarregadas de engolfar o parasita estarão mais potentes para matá-lo", disse à Folha David Sacks, chefe do setor de Biologia de Parasitas Intracelulares do Niaid, principal autor do estudo publicado na última edição da "Science" (www.sciencemag.org).
Essa reação inflamatória é provocada pela ação dos linfócitos T (células do sistema de defesa) em resposta a um antígeno -substância reconhecida como estranha pelo organismo e que provoca uma resposta imunológica- presente na saliva.
"É uma reação alérgica, como a que pessoas têm quando são picadas por mosquitos ou logo após tomarem a vacina BCG (contra a tuberculose)", explica Yasmine Belkaid, outra autora da pesquisa.
Belkaid esclarece que a maioria dos componentes presentes na saliva do inseto pode levar a esse tipo de reação, cuja descrição já havia sido feita em outro estudo, publicado em junho deste ano na "PNAS" ("Proceedings of the National Academy of Sciences", www.pnas.org), a revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.
Detalhe: o principal autor desse outro trabalho é brasileiro, o pesquisador José Ribeiro.
Ribeiro é chefe do Setor de Entomologia Médica do Niaid. Ao se referir ao trabalho de Sacks, afirma que, se uma pessoa for sensibilizada pela saliva da mosca ("tecnicamente o flebotomíneo não é um mosquito, mosquitos são da família Culicidae"), a transmissão da doença poderá ser diminuída. Isso pode acontecer tanto por contato natural com moscas não-infectadas ou, no futuro, pela vacinação.
"Talvez seja por isso que somente crianças apresentem a doença nas áreas endêmicas. Elas teriam o "azar" de serem picadas por moscas infectadas antes de se tornarem imunes", explica.
"A frequência de moscas infectadas no campo é bem menor que 1%. Assim, existe uma boa chance de uma pessoa se tornar "vacinada" contra a mosca (e a leishmânia) antes de se deparar com a picada de uma mosca infectada."

Outros estudos
É bastante provável que esse sistema de proteção funcione para outras espécies de leishmânia e de insetos. Ribeiro realiza estudos similares com o mosquito transmissor da leishmaniose visceral -fatal em quase 100% dos casos- no Nordeste brasileiro.
A próxima etapa da pesquisa do grupo do Niaid já está "em andamento no laboratório de Ribeiro", segundo Belkaid. Os cientistas estão isolando os genes que codificam as proteínas presentes na saliva do mosquito com o objetivo de produzir uma vacina de DNA.
Segundo dados da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), foram notificados 14.222 casos de leishmaniose no Brasil, sendo que 68% ocorreram nas regiões Norte e Nordeste do país.


Próximo Texto: Vacina nacional espera aprovação de ministério
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.