|
Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Camundongos picados por mosquitos não-infectados mostraram-se resistentes ao surgimento de sintomas da doença
Saliva de inseto protege contra leishmânia
ISABEL GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL
Cuspe de mosquito. Aí pode estar o segredo de uma vacina eficaz
contra a leishmaniose, doença
que ataca mais de 1,5 milhão de
pessoas por ano, causada por protozoários do gênero Leishmania.
Pesquisadores do Niaid (Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, dos EUA) descobriram que a picada de mosquitos
não-infectados pela leishmânia
funciona como uma vacina, protegendo camundongos contra a
forma cutânea da doença, a mais
benigna (veja quadro à direita).
Quando, mais tarde, esses animais foram picados por mosquitos com a leishmânia, apresentaram uma produção de substâncias protetoras até 15 vezes superior àquela verificada nos camundongos de controle.
Saliva vacinante
Vacinas são produzidas ou com
formas atenuadas de microrganismos que causam as moléstias
ou com partes deles. Basta que
elas sejam capazes de induzir o
corpo a produzir uma resposta
imune (de defesa).
A diferença da pesquisa do
Niaid para as vacinas tradicionais
é que os cientistas conseguiram
proteger os animais não por meio
da própria leishmânia, ou de partes dela, mas sim por meio da saliva do inseto que transmite a
doença, o flebotomíneo.
Ao ser picado pelo inseto sem a
leishmânia, o organismo reconhece a saliva como um componente estranho. A resposta direta
do corpo contra a saliva afetará,
indiretamente, o parasita.
"A saliva do inseto causa uma
reação inflamatória na pele. Ao
ser picado novamente por um inseto infectado, as células do animal encarregadas de engolfar o
parasita estarão mais potentes para matá-lo", disse à Folha David
Sacks, chefe do setor de Biologia
de Parasitas Intracelulares do
Niaid, principal autor do estudo
publicado na última edição da
"Science" (www.sciencemag.org).
Essa reação inflamatória é provocada pela ação dos linfócitos T
(células do sistema de defesa) em
resposta a um antígeno -substância reconhecida como estranha pelo organismo e que provoca uma resposta imunológica-
presente na saliva.
"É uma reação alérgica, como a
que pessoas têm quando são picadas por mosquitos ou logo após
tomarem a vacina BCG (contra a
tuberculose)", explica Yasmine
Belkaid, outra autora da pesquisa.
Belkaid esclarece que a maioria
dos componentes presentes na
saliva do inseto pode levar a esse
tipo de reação, cuja descrição já
havia sido feita em outro estudo,
publicado em junho deste ano na
"PNAS" ("Proceedings of the National Academy of Sciences",
www.pnas.org), a revista da Academia Nacional de Ciências dos
Estados Unidos.
Detalhe: o principal autor desse
outro trabalho é brasileiro, o pesquisador José Ribeiro.
Ribeiro é chefe do Setor de Entomologia Médica do Niaid. Ao se
referir ao trabalho de Sacks, afirma que, se uma pessoa for sensibilizada pela saliva da mosca
("tecnicamente o flebotomíneo
não é um mosquito, mosquitos
são da família Culicidae"), a
transmissão da doença poderá ser
diminuída. Isso pode acontecer
tanto por contato natural com
moscas não-infectadas ou, no futuro, pela vacinação.
"Talvez seja por isso que somente crianças apresentem a
doença nas áreas endêmicas. Elas
teriam o "azar" de serem picadas
por moscas infectadas antes de se
tornarem imunes", explica.
"A frequência de moscas infectadas no campo é bem menor que
1%. Assim, existe uma boa chance
de uma pessoa se tornar "vacinada" contra a mosca (e a leishmânia) antes de se deparar com a picada de uma mosca infectada."
Outros estudos
É bastante provável que esse sistema de proteção funcione para
outras espécies de leishmânia e de
insetos. Ribeiro realiza estudos similares com o mosquito transmissor da leishmaniose visceral
-fatal em quase 100% dos casos- no Nordeste brasileiro.
A próxima etapa da pesquisa do
grupo do Niaid já está "em andamento no laboratório de Ribeiro",
segundo Belkaid. Os cientistas estão isolando os genes que codificam as proteínas presentes na saliva do mosquito com o objetivo
de produzir uma vacina de DNA.
Segundo dados da Fiocruz
(Fundação Oswaldo Cruz), foram
notificados 14.222 casos de leishmaniose no Brasil, sendo que 68%
ocorreram nas regiões Norte e
Nordeste do país.
Próximo Texto: Vacina nacional espera aprovação de ministério Índice
|