São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 2002

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ASTRONOMIA

Objeto se desloca a 400 mil km/h, mas só chegará em 230 milhões de anos e passará longe demais para causar dano

Buraco negro errante viaja rumo à Terra

ESA/Nasa/Felix Mirabel
Desenho indica trajetória do buraco negro na Via Láctea; o Sol aparece fora de escala, em amarelo


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

No ano passado, um grupo do Comissão de Energia Atômica da França havia anunciado a existência de um verdadeiro campo minado composto por centenas de milhares de buracos negros distribuídos ao redor da Via Láctea. Agora eles informam que um deles está atravessando a vastidão da galáxia a uma velocidade exorbitante, vindo direto para cá.
Antes que algum espertalhão resolva aproveitar a notícia para dar uma de Orson Welles (que aterrorizou Nova York em 1938 ao anunciar pelo rádio uma suposta invasão marciana, numa encenação da obra "Guerra dos Mundos", de H.G. Wells), é bom avisar: o astro vai passar a uma distância do Sol - cerca de mil anos-luz- que é até pequena, se comparada às dimensões da Via Láctea, mas não o suficiente para causar dano à Terra ou a qualquer corpo do Sistema Solar. E a data em que a aproximação máxima vai ocorrer também não apavora: daqui a 230 milhões de anos.
Apesar disso, esse objeto viajando pelo espaço a 400 mil quilômetros por hora (1/2.703 da velocidade da luz) é um lembrete incômodo de que buracos negros não têm as trajetórias comportadas e previsíveis que todos gostariam que eles tivessem. Sem falar no fornecimento da mais concreta evidência de que são realmente o resultado de supernovas -explosões de estrelas muito maciças.
Uma estrela não passa de uma bola de gás hidrogênio condensada pela gravidade. A matéria vai se compactando cada vez mais, até atingir um ponto em que a compressão leva os átomos de hidrogênio a grudar uns nos outros -em duas palavras, fusão nuclear. O processo faz a estrela recém-nascida liberar energia e interromper o encolhimento induzido pela força gravitacional.
Só que uma hora a festa acaba: a quantidade de hidrogênio é finita. Quando ele se esgota, a estrela, se for grande o suficiente, entra em colapso. Suas camadas exteriores explodem, e o que sobra começa a encolher novamente, sem a energia da fusão para conter a ação gravitacional. Ficando cada vez mais compacta, a estrela chega a um ponto em que a força da gravidade em sua superfície é tão grande que nem a luz, viajando a 300 mil quilômetros por segundo, é capaz de escapar dela. A estrela fica literalmente invisível, ganhando o nome de buraco negro.

Rumo incerto
"Nem sempre a explosão da supernova acontece de forma simétrica", explica Irapuan Rodrigues, brasileiro que trabalha na equipe do astrônomo argentino Felix Mirabel na França e é co-autor do estudo, publicado na revista "Astronomy & Astrophysics" (www.edpsciences.com/aa/). "Muitas vezes a matéria vai mais para um lado, dando um empurrão na estrela e tirando-a de sua órbita."
É por essa razão que o buraco negro GRO J1655-40* está viajando a uma velocidade maior que a da maioria das estrelas da Via Láctea, diz Rodrigues. Ele teria sido chutado para fora de sua órbita regular em torno do centro galáctico, após a explosão da supernova e a conversão em buraco negro.

Sistema duplo
Pergunta: se é um buraco negro, de onde nem a luz escapa, como os astrônomos conseguem vê-lo para estudá-lo? Não conseguem. Eles só sabem que ele está lá observando sua interação com outros astros que estão em volta.
No caso do GRO J1655-40*, trata-se de um sistema binário: em volta do buraco negro está orbitando uma estrela subgigante bastante comum. Ao ver aquele astro girando em torno do nada, eles puderam saber onde o buraco negro está. Depois, com imagens do telescópio espacial Hubble, conseguiram determinar o rumo exato do astro, que está agora a pelo menos 6.000 anos-luz do Sol.


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