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PALEONTOLOGIA
Estudo sugere que espécies no Brasil e na Alemanha são sinônimas
Dino nacional pode ser duplicata
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
A ponta perdida do focinho de
um crânio de dinossauro quebrado e contrabandeado do Brasil
para a Alemanha pode ter sido
descrita como uma espécie diferente por cientistas brasileiros.
A sugestão foi feita por pesquisadores da Europa e do Canadá
na última edição do "Journal of
Vertebrate Paleontology" (www.vertpaleo.org/jvp), uma das revistas mais conceituadas da área
de paleontologia (estudo de fósseis), e ameaça riscar do mapa um
dos poucos dinossauros descobertos e batizados no Brasil, o Angaturama limai.
Segundo os europeus, o fóssil
do Angaturama, um carnívoro
aparentado com o espinossauro
(o vilão do filme "Jurassic Park
3"), provavelmente é a mesma espécie ou parte do mesmo espécime do Irritator challengeri, outro
carnívoro da mesma família, que
saiu ilegalmente do país e hoje está depositado no Museu de História Natural de Stuttgart (sudoeste
da Alemanha).
Se eles estiverem certos, o Angaturama passará a ser considerado
um sinônimo e não terá mais validade científica. Isso porque o Irritator teve sua descrição publicada numa revista científica um
mês antes da descrição do réptil
brasileiro, ambas em 1996.
"Como dizemos no Reino Unido, quem chega primeiro se serve
primeiro. É uma grande corrida
pela prioridade", disse à Folha o
paleontólogo David Martill, da
Universidade de Portsmouth, que
batizou o Irritator e assina o estudo no "Journal of Vertebrate Paleontology" com dois alemães e
uma canadense.
O problema é que vai ser difícil
obter uma prova final. Os dois
fósseis só foram comparados por
meio de fotografias e, ao mesmo
tempo em que apresentam semelhanças aparentes, têm também
diferenças.
"Essa hipótese [a de se tratar de
partes do mesmo indivíduo] foi
descartada por mim em 1996 no
segundo trabalho que publiquei
[sobre o Angaturama]", afirma
Alexander Kellner, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que descreveu o A. limai em colaboração
com Diógenes de Almeida Campos, do DNPM (Departamento
Nacional da Produção Mineral).
Segundo Kellner, a única comparação que ele pôde fazer entre
os dois fósseis teria mostrado que
o que sobrou do crânio do A. limai -basicamente a ponta do
focinho- é mais estreito e mais
alto que o I. challengeri. "Mas
apenas com um material mais
completo poderemos ter certeza."
Apesar da incerteza, as coincidências são impressionantes.
Ambos os animais saíram da formação Santana, um grupo de rochas sedimentares da chapada do
Araripe, no sul do Ceará. Fósseis
de dinossauro nessa região são
uma raridade -só um foi oficialmente descrito além do Irritator e
do Angaturama até hoje. Ambos
têm a mesma idade, cerca de 110
milhões de anos. Segundo Martill,
os dentes dos dois bichos são
iguais. E um espécime termina
onde o outro começa.
"Ambos parecem se encaixar,
como se tivessem um dia sido um
só crânio. Um pesquisador me assegurou que as partes não se encaixam como um espécime, mas
minhas dúvidas permanecem",
disse o paleontólogo Paul Sereno,
da Universidade de Chicago, nos
Estados Unidos, especialista em
espinossaurídeos.
"Esses problemas acontecem
quando espécimes são coletados
por amadores. Eles às vezes quebram os espécimes e vendem partes separadamente", afirmou.
Irritação
Foi o que aconteceu com o Irritator. O crânio teve o focinho
quebrado. Depois, traficantes do
Araripe fizeram um molde de
gesso para forjar a ponta e o colaram ao resto. A fraude foi descoberta por uma tomografia, o que
deixou Martill e seus colegas irritados -daí o nome.
Ninguém sabe quem contrabandeou o I. challengeri para a
Alemanha, nem quando. O mais
provável é que ele tenha sido
comprado pelo museu de Stuttgart de um europeu, já que a atividade é legal na Alemanha.
"Talvez o governo brasileiro devesse pedir sua repatriação -eu a
apoiaria", afirma o britânico.
A origem do A. limai também é
um mistério. Kellner diz que o
fóssil foi doado por Murilo Rodolfo de Lima, paleontólogo da USP
morto nos anos 90 -e homenageado no nome do animal. Como
Lima o obteve, não se sabe.
Outra coincidência é a data de
publicação dos dois achados.
Martill diz que Arthur Cruickshank, da Universidade de Leicester, que preparou o Irritator challengeri, recebeu um fax do brasileiro perguntando se ele estava
trabalhando em algo semelhante.
"Não sabia na época se algum
trabalho tinha sido submetido sobre esse ou qualquer outro dinossauro do Brasil", refuta o paleontólogo do Museu Nacional.
Mesmo tendo vencido a corrida
da publicação, Martill e colegas se
atrapalharam com a classificação
do animal. Em seu trabalho de
1996, afirmaram que o Irritator
era parente de carnívoros menores, como o velociraptor -o novo estudo corrige esse erro. Kellner descreveu o Angaturama como espinossaurídeo. "Fico feliz
em saber que, do ponto de vista
científico, eu estava correto."
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