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BIOLOGIA
Seleção de dez principais estudos destaca ácido nucléico que era visto só como mensageiro e já ameaça posição do DNA
Micromolécula faz de 2002 o ano do RNA
MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA
Quem acha que o DNA está na
origem e no controle da vida vai
precisar reavaliar seus conceitos e
abrir espaço para o RNA, molécula-irmã que inaugura uma dinastia de siglas fundamentais para a
biologia: smRNa, RNAi, miRNA,
siRNA. Guarde-as na memória.
Elas fazem parte da descoberta
eleita como a mais importante de
2002 e algum dia ainda vão render
um Prêmio Nobel.
A escolha foi feita pela revista
norte-americana "Science"
(www.sciencemag.org), que reúne seus editores todos os anos para fazer uma seleção dos dez principais avanços da pesquisa. Só um deles é
destacado como campeão -os
outros nove são todos considerados vices-, e este ano foi a vez
dos pequenos RNAs, ou smRNAs
(de "small RNAs").
Apesar de contar com apenas 21
a 28 "letras" do código genético
(as chamadas bases nitrogenadas), essas moléculas fizeram estrago considerável no reinado do
DNA, que reúne nos cromossomos sequências de centenas de
milhões de bases.
A coisa é tão séria que o editor-chefe da "Science", Donald Kennedy, já fala em "mudança de paradigma", no editorial publicado
hoje com a lista das dez mais. "Os
pequenos RNAs (...) impõem toda uma nova camada de regulação sobre o genoma, produzindo
uma mudança de paradigma em
nossa visão do controle genético e
epigenético" (o último termo se
refere a informação hereditária
não mediada por genes).
O papel central do DNA foi tão
valorizado nos últimos 50 anos,
desde que James Watson e Francis Crick descobriram sua estrutura em 1953, que deu origem ao
chamado Dogma Central da biologia molecular: DNA faz RNA
que faz proteína -e nunca o fluxo inverso de informação. Nessa
visão, o núcleo da célula não era
só a área delimitada por uma
membrana em que ficam contidos os cromossomos, mas também um núcleo do poder.
Não é bem assim, estão descobrindo os cientistas desde 1998.
Experimentos revelaram que pedaços de RNA -antes encarado
como simples intermediário (o
mRNA, ou RNA mensageiro)-
participam da própria regulação
do DNA, sendo capazes por
exemplo de impedir que certos
trechos do cromossomo sejam
usados pela célula, uma forma de
silenciar genes que foi batizada de
interferência de RNA (RNAi).
A revelação mais surpreendente
veio em 2002, quando nada menos que quatro trabalhos foram
publicados mostrando que a
RNAi na realidade participa da
própria epigenética, por meio da
estruturação dos cromossomos.
Eles são formados por cromatina,
um complexo de proteínas e
DNA. Dependendo da conformação da cromatina, alguns genes
podem ser lidos (expressos) e outros, não. Esse padrão -que nada
tem a ver com a sequência de
DNA- pode ser passado para a
geração seguinte.
Tal informação não-genética é
crucial para que os genes sejam ligados e desligados na ordem certa, durante o desenvolvimento de
um organismo. Por isso é um exagero dizer que no genoma (sequência de DNA) estão todas as
informações necessárias para
construir um ser humano.
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