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Homem ocupou o Piauí há 58 mil anos
Nova análise mostra que controversos artefatos da Pedra Furada foram feitos por humanos, silenciando os críticos
Arqueóloga Niède Guidon,
que escavou o sítio, vinha
sendo criticada por colegas;
achado recua ocupação da
América em 30 milênios
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
A arqueóloga Niède Guidon
riu por último. Evidências
apresentadas ontem indicam
que as ferramentas de pedra
descobertas pela pesquisadora
no Boqueirão da Pedra Furada,
em São Raimundo Nonato, foram mesmo feitas por seres humanos, e têm entre 33 mil e 58
mil anos de idade. São, portanto, a evidência mais antiga da
ocupação da América.
Durante mais de duas décadas Guidon, paulista de origem
francesa, foi ridicularizada por
seus colegas por propor uma
idade tão antiga para os instrumentos. Mas uma análise das
ferramentas da Pedra Furada
apresentada ontem por Eric
Boeda, da Universidade de Paris, e Emílio Fogaça, da Universidade Católoca de Goiás, silenciaram os críticos.
"Do meu ponto de vista, esta
é uma evidência incontestável
de que os artefatos foram feitos
por humanos", disse à Folha o
arqueólogo Walter Neves, da
USP, até então principal adversário intelectual de Guidon.
"Ela merece esses louros", disse, referindo-se à colega.
Os artefatos têm causado
controvérsia desde a sua descoberta, em 1978. Eles foram
achados juntamente com supostas fogueiras no abrigo, cujo
carvão foi datado em até 50 mil
anos. Uma datação realizada
depois na Austrália recuou a
idade ainda mais: 58 mil anos.
O problema era que, naquela
época, as evidências apontavam que a presença humana tinha no máximo 15 mil anos no
continente. A arqueologia era
dominada pelo chamado paradigma "Clovis first", segundo o
qual os ancestrais dos índios
chegaram recentemente, por
uma ponte terrestre aberta entre a Sibéria e o Alasca na última glaciação.
Pedras rolantes
O paradigma Clovis First seria derrubado mais tarde, mas
os arqueólogos sempre se recusaram a aceitar as datas de Guidon. As fogueiras, argumentavam, poderiam muito bem ter
sido produto de combustão espontânea e não havia ossos de
animais ou humanos no local.
"O que acontecia até agora
também é que alguns colegas
americanos diziam que os objetos [achados no Piauí] eram
apenas pedras que tinham rolado e se quebrado naturalmente", diz Niède. "Mas agora não
há a menor dúvida de que foram feitos por seres humanos.
O consenso geral é que agora
existe um fato."
Essa impressão já havia começado a mudar quando, nos
anos 1990, o arqueólogo americano Tom Dillehay, da Universidade do Kentucky, viu os instrumentos e reconheceu que
alguns deles pareciam feitos
por seres humanos.
Cadeia operatória
O estudo de Boeda não parece deixar mais dúvidas. O francês é considerado um dos maiores especialistas do mundo em
tecnologia lítica (de pedra) pré-histórica. Ele desvendou a chamada cadeia operatória dos artefatos, ou seja, a seqüência de
lascamento do material, e descobriu que aquilo foi, de fato,
produzido por humanos.
"O que se está discutindo
agora é como esses homens
chegaram aqui", diz Guidon,
que não reconhece como uma
certeza a chegada do homem às
Américas pelo estreito de Bering no Alasca. "Na realidade o
caminho por Bering e pelas
Ilhas Aleutas é muito mais longo e difícil do que vir pela África
mais diretamente."
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