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outro lado
Feudalismo acadêmico nas ciências sociais
RENATO ZAMORA FLORES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Talvez o maior desafio da
interdisciplinaridade seja a
necessidade de entendermos
como funcionam outras
áreas do conhecimento,
além do eventual arcabouço
teórico em que acreditamos.
O problema parece ser especialmente grave entre
cientistas e psicólogos sociais que, de modo geral, desconhecem o conjunto de
áreas do conhecimento denominadas de neurociências
e que incluem, desde a bioquímica e a genética, até a
neurologia e a psiquiatria.
Estas áreas progrediram
muito nas três últimas décadas e, para se estar minimamente informado sobre os
seus avanços, é necessário
uma ampla quantidade de
leitura e estudos.
No Brasil, devido a um indiscutível feudalismo científico, a maioria dos cursos de
ciências sociais e de psicologia simplesmente ignora o
que ocorre em outras áreas
do conhecimento e forma
profissionais que, apesar de
competentes em seus assuntos específicos, não conseguem entender o que ocorre
na seara alheia.
Assim, quando propusemos um estudo sobre adolescentes violentos, descrito
com propriedade em matéria
da Folha (26.nov., pág A15),
fomos surpreendidos com
uma estapafúrdica nota de
repúdio que, sob a capa de
estímulo à discussão, qualificava o empreendimento, entre outras ofensas e agressões, de eugênico e vinculado a práticas de extermínio.
Os críticos parecem acreditar que fenômenos mentais e sociais ocorrem independentemente dos cérebros dos indivíduos. Para
eles, estudos biológicos do
comportamento são irrelevantes pois os efeitos da cultura e do ambiente social
afetam a mente, que deve estar em algum lugar que não o
cérebro, talvez em uma estrutura etérea como a alma.
Para piorar, parecem confundir "biológico" com implacável e imutável.
Como a nota de repúdio
explica, por exemplo, o vínculo com o conceito de "eugenia"? Esse é um termo
criado por Francis Galton
(1822-1911), que o definiu como "o estudo dos agentes
sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das
futuras gerações, seja fisica
ou mentalmente".
Tal prática foi utilizada
por norte-americanos e alemães na primeira metade do
século 20, sem qualquer resultado relevante. Por exemplo, o regime nazista eliminou mais de 80% dos deficientes e doentes mentais
sem qualquer impacto epidemiológico no número de
afetados por estas enfermidades na geração seguinte.
Nenhum biólogo minimamente informado proporia
tal prática. Apenas os que
desconhecem esse aspecto
da história vinculariam o estudo proposto a uma prática
tão ineficiente e cruel.
O que decorreu deste documento equivocado foi uma
ampla crítica da comunidade
científica aos autores da nota. Como bem disse Jairo
Eduardo Borges-Andrade,
professor de psicologia social da UnB, "a nota de repúdio "prega" uma visão de
mundo (teoria) e uma forma
de fazer pesquisa (método) e
não somente julga, mas condena e propõe penalidades
para aqueles que não seguem a teoria e o método
que considera apropriados".
Por que fazer uso da defesa dos direitos humanos e
das crianças como escudo
para fundamentar a pregação de uma única forma de
fazer pesquisa?
RENATO ZAMORA FLORES é professor de
genética da UFRGS
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