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São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003

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MALÁRIA

Inseto modificado para não transmitir doença tem menos sucesso reprodutivo e perde gene de resistência a parasita

Mosquito transgênico perde competição

Divulgação/Imperial College
Larvas da versão geneticamente modificada do A. stephensi


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os mosquitos transgênicos ainda não conseguem derrotar seus colegas normais quando se trata de viver, reproduzir e deixar mais descendentes -a chamada "sobrevivência dos mais fortes" que constitui a base da evolução das espécies no planeta.
A descoberta mostra que muito mais pesquisa vai precisar ser feita para que um dia esses mosquitos "artificiais" possam ser soltos na natureza e competir com êxito com seus colegas naturais, transmissores de doenças como malária e dengue.
Um estudo feito num laboratório do Reino Unido mostrou que populações de mosquitos transgênicos perderam rapidamente os genes que foram enxertados depois de se reproduzirem com mosquitos normais.
Flaminia Catteruccia, Charles J. Godfray e Andrea Crisanti, do Imperial College de Londres, usaram quatro linhagens do mosquito da espécie Anopheles stephensi, vetor da malária na Índia.
O grupo de pesquisa liderado por Crisanti criou há poucos anos os primeiros mosquitos anofelinos modificados geneticamente, ao acrescentar nos animais genes que os tornam fluorescentes sob luz ultravioleta.
O material genético foi introduzido diretamente nos ovos dos mosquitos, na forma dos chamados genes "saltadores".
Um "gene saltador" é constituído de sequências de DNA (ácido desoxirribonucléico, o material genético) que, ao serem injetadas nos ovos dos insetos, grudam no material genético dos bichos. São conhecidos como "transpósons" ou "elementos de transposição".

Contra a transmissão
Entre eles poderia estar um gene capaz de regular a produção de substâncias que fariam o mosquito deixar de transmitir o parasita que abriga -seja o plasmódio (micróbio unicelular) que causa a malária, seja o vírus da dengue, por exemplo.
Crisanti acredita que esse tipo de engenharia genética dá a chance de atacar o parasita em um estágio no qual ele sofre pouca pressão evolutiva.
O problema agora será superar a baixa competitividade reprodutiva que o mosquito transgênico mostrou ter em relação aos normais, no estudo publicado hoje pela revista americana "Science" (www.sciencemag.org).
Os experimentos envolveram a transferência de genes já bem estudados, que são capazes de dar uma luz fluorescente vermelha ou verde ao mosquito.
Normalmente, o gene da fluorescência permanece nos mosquitos em mais de 30 gerações. Mas, nos novos experimentos de Crisanti e colegas com mosquitos normais, o gene desaparecia das populações em no máximo 16 e no mínimo em 4 gerações.
A notícia não é tão ruim assim, disse Crisanti à Folha. "Na verdade, nosso trabalho mostra que o custo de introduzir um elemento genético no genoma do mosquito é baixo. O maior problema surge do fato de que mosquitos transgênicos se originam de um único progenitor transformado, cruzado várias vezes com seus descendentes", diz.
"Ao mudar o processo de reprodução se antecipa que o problema de aptidão possa ser mitigado", afirma Crisanti.
Para ele, esse tipo de estudo populacional é essencial para definir se de fato algum dia será possível liberar mosquitos transgênicos no ambiente capazes de competir e erradicar os normais, que transmitem doenças.
"O mosquito ainda não está pronto", diz a pesquisadora brasileira Margareth de Lara Capurro, especialista na área do Departamento de Parasitologia do ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo). "Na natureza, a coisa é muito mais complicada", afirma.
A longo prazo, as pesquisas com mosquitos transgênicos poderão resultar em estratégias de controle de doenças por eles transmitidas. Mas é essencial que a dinâmica das populações dos mosquitos seja mais bem conhecida, diz Capurro. Se há uma pesquisa que exige um enfoque multidisciplinar, essa é uma delas.

Saliva de mosquito
Outro brasileiro que está na linha de frente desse trabalho é José Marcos Chaves Ribeiro (um dos principais especialistas mundiais em saliva de insetos, o meio pelo qual parasitas como o plasmódio chegam às suas vítimas).
Ribeiro trabalha nos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA. Ele é chefe da seção de entomologia (estudo de insetos) médica do Laboratório de Doenças Parasitárias do NIAID (sigla em inglês para Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas).
Segundo Ribeiro, os mosquitos transgênicos seriam uma arma a mais na luta contra a malária, associada a novos remédios e vacinas, além do melhoramento ambiental e econômico das regiões e populações afetadas.
Há quem diga que em cinco anos já seria possível fazer a soltura de mosquitos transgênicos no ambiente, ou que serão necessários pelos menos dez anos. Entre os fatores a considerar está a evolução do próprio parasita: há a chance de que surjam novas linhagens, capazes de evitar o "gene antiparasita" do mosquito.
Pronto o mosquito, depois dos testes em laboratório, o próximo passo seria liberá-lo em um pequeno e isolado "laboratório" natural, como uma ilha. Só depois disso aconteceria a liberação em focos de transmissão da doença.


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