São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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Um pequeno passo para trás

Novo plano da Nasa para a exploração do espaço com astronautas pode esbarrar nos mesmos erros de sempre

Nasa
Harrison Schmitt, astronauta-cientista da Apollo-17, última missão do programa tripulado lunar, examina rocha em1972

JOHN NOBLE WILFORD
DO "NEW YORK TIMES"

Desde que os astronautas da Apollo 11 chegaram à Lua, quatro décadas atrás, especialistas e líderes políticos imaginam, de tempos em tempos, o que fazer com os voos espaciais tripulados. Agora, o governo Obama se uniu à luta para manter os seres humanos no espaço. Será que suas propostas comedidas, anunciadas recentemente, terão sucesso onde outras fracassaram repetidas vezes? Pode ser cedo demais para dizer, mas a história não traz muitas esperanças.
Enquanto os astronautas ainda estavam dando saltos gigantescos nas planícies lunares, a Nasa apostava que o programa Apollo era apenas a abertura de uma era de ampla exploração espacial.
O sucesso havia gerado confiança e mobilizado a infraestrutura necessária para feitos maiores. A lista de desejos da agência incluía uma base permanente na Lua, uma estação espacial de 12 pessoas orbitando a Terra e servida por ônibus espaciais, além de expedições humanas a Marte, possivelmente no final dos anos 1980.
Só o ônibus espacial obteve a aprovação do governo Nixon, em 1972. Com o fim da Guerra Fria, americanos, russos e outras nações passaram a cooperar na construção da Estação Espacial Internacional, mas as viagens continuaram restritas à órbita baixa da Terra.
Duas administrações tentaram ações mais corajosas. Em 1989, o presidente George Bush definiu novas metas. Uma frota de foguetes de propulsão poderosa seria desenvolvida para missões humanas e robóticas além da baixa órbita. Astronautas retornariam à Lua para estabelecer postos permanentes e depois voariam rumo a Marte, talvez até 2019. A reação, porém, foi a inércia.
O presidente George W. Bush fez um apelo similar ao de seu pai, citando de novo a Lua e Marte como metas futuras. Mas o custo das guerras, somado a reduções nos impostos, deixou pouco dinheiro para sustentar a empreitada.
O fato é que o programa Apollo não se tornou um modelo realista. Pisar na Lua havia sido, acima de tudo, uma campanha da Guerra Fria. A União Soviética era o adversário, ainda mais com a surpresa do Sputnik e, depois, com o voo que transformou Yuri Gagárin no primeiro homem no espaço, na primavera de 1961.
O cientista político John M. Logsdon, da Universidade George Washington, realizou um estudo sobre o processo de tomada de decisões que levou ao programa Apollo. Logsdon concluiu que ele era "produto de um período específico na história". Não representava um forte comprometimento da sociedade americana com a exploração espacial ilimitada.
"Tentamos reviver a Apollo por 40 anos, sem sucesso", diz Lori B. Garver, vice-administradora da Nasa. "Durante muito tempo, a Nasa prometeu demais e entregou de menos, mas agora vamos agir de maneira diferente". É esperar para ver. Os comitês do Congresso não começaram a examinar as propostas e os modestos aumentos de orçamento para a Nasa. O plano da agência pode ser "audacioso e inovador", nas palavras de Garver, mas diversos aspectos provavelmente causarão controvérsia ou, pelo menos, exigirão mais estudos.
O novo plano não coloca prazos, estimativas de custos ou destinos definitivos. A falta de metas e alvos específicos traz o risco de fazer o programa sair da rota. Como primeiro passo, a Nasa propôs cancelar o atual plano de regressar à Lua até 2020. Dependendo do financiamento e progresso no desenvolvimento de novas tecnologias, projeções para a agenda dos próximos empreendimentos com astronautas poderiam ser feitas em cinco ou seis anos.
O primeiro objetivo ao longo desse "caminho flexível" é apenas recuperar a capacidade de voar além da órbita baixa. Quando os meios forem disponibilizados e o espírito nacional estiver disposto, a Lua, asteroides e Marte serão os destinos mais prováveis.

Terceirizado
Alguns elementos do novo plano podem ser populares. Uma promessa de alistar outros países como parceiros deve diluir os custos. E a proposta de privatizar o desenvolvimento e a propriedade dos novos equipamentos de voo deve ganhar apoio entre os conservadores. Isso também levanta questões. Seria a Nasa capaz de manter o controle sobre a qualidade e segurança dos novos veículos que, na realidade, alugará para as missões de astronautas? Será que o governo estaria transferindo a mãos privadas influência excessiva?
O programa espacial obteve alguns grandes sucessos desde o pouso lunar. Nunca devem ser esquecidas as explorações robotizadas da família de planetas do Sol, e nem as vistas cósmicas capturadas por instrumentos como o Telescópio Espacial Hubble. Mas é provável que os humanos nunca descansem até que eles mesmos estejam tripulando, mais uma vez, suas próprias espaçonaves.


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