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São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2003

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ARQUEOLOGIA

Bombardeio pode danificar ou até arruinar os mais antigos vestígios de civilização, diz cientista americano

Guerra ameaça destruir sítios históricos

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

As bombas e os soldados da aliança encabeçada por George W. Bush correm o risco de pôr abaixo muito mais do que o regime e o poderio militar de Saddam Hussein, ou as casas de civis iraquianos. A coalizão anglo-americana pode devastar 5.000 anos de história e danificar os mais antigos vestígios da civilização.
"O número de sítios arqueológicos no Iraque é quase impossível de estimar", afirma o arqueólogo norte-americano McGuire Gibson, da Universidade de Chicago. "O Departamento de Antiguidades do governo iraquiano tem em seus registros cerca de 10 mil sítios, mas eles correspondem apenas aos que já foram escavados até hoje, e só 15% do território do país teve algum tipo de recenseamento arqueológico", diz.
"O Instituto Arqueológico da América e a nossa associação levaram ao Pentágono e ao Departamento de Defesa informações sobre mais de 4.000 sítios, não para ajudar a encontrar alvos, mas para evitá-los", diz Gibson.
A riqueza da região, porém, não se resume ao mero volume de registros arqueológicos. O atual Iraque é praticamente sinônimo da antiga Mesopotâmia, a "região entre os rios" (o Tigre e o Eufrates) que testemunhou a passagem de sumérios, acadianos, assírios, babilônios, persas e os gregos de Alexandre, como um dos principais eixos do mundo antigo.
Entre os monumentos no território do Iraque estão a lendária Ur (onde o patriarca Abraão, ancestral mítico dos judeus, teria nascido, por volta de 1700 a.C.), a capital assíria, Nínive, cujos soberanos destruíram o reino de Israel em 722 a.C., e a Babilônia de Nabucodonosor, que derrotou os judeus e os levou ao exílio.
Talvez ainda mais importantes sejam registros que documentam o aparecimento de todas as características que costumam ser associadas a uma civilização. Cultivo de cereais e domesticação de animais (há 9-10 mil anos), grandes obras públicas para irrigar as plantações, governo centralizado, templos e escrita (há 5.000 anos), tudo isso nasceu e floresceu de forma independente no que hoje é conhecido como Iraque.
É para tentar minimizar os danos a esse imenso patrimônio que Gibson, presidente da Associação Americana para Pesquisa em Bagdá, decidiu lançar seu apelo na mais prestigiosa revista científica norte-americana, a "Science" (www.sciencemag.org).
O grande problema são as consequências indiretas da guerra, como aconteceu na do Golfo, em 1991: uma onda de pobreza que levou os iraquianos a dilapidarem seu patrimônio arqueológico, antes mantido zelosamente, para viver do comércio ilegal de artefatos. "Um colecionador de Nova York diz que esta é a era de ouro desse ramo", alerta Gibson.


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