São Paulo, terça-feira, 21 de maio de 2002

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MEMÓRIA

Americano considerado o pensador evolucionista mais influente desde Darwin foi vencido pelo câncer aos 60 anos

Morre o paleontólogo Stephen Jay Gould

Juan Esteves - 13.set.1993/Folha Imagem
O paleontólogo americano Stephen Jay Gould, que morreu ontem, durante visita ao Brasil em 93


CAROL KAESUK YOON
DO "THE NEW YORK TIMES"

Stephen Jay Gould, o teórico evolutivo da Universidade Harvard cujas palestras, pesquisas e artigos ajudaram a revigorar o campo da paleontologia, morreu ontem às 11h25 (hora de Brasília) em sua casa em Nova York. Ele tinha 60 anos. A causa foi adenocarcinoma, informou sua esposa, Rhonda Schearer. Na semana passada, havia passado por cirurgia para retirada de dois tumores.
Possivelmente o mais influente e mais conhecido biólogo evolucionista desde Charles Darwin, Gould iniciou numerosos debates ao desafiar os cientistas a repensarem padrões e processos evolutivos. Ele é creditado por trazer a perspectiva paleontológica perdida ao "mainstream" evolutivo.
Gould atingiu uma fama sem precedentes entre biólogos evolutivos. De todos, foi o que chegou mais perto de se tornar um nome de uso doméstico, ao se tornar parte da iconografia popular quando fez uma aparição, na forma de desenho animado, em "Os Simpsons". Reformas de sua casa em Manhattan foram relatadas em detalhes em um artigo da "Architectural Digest".
Famoso pelo brilhantismo e pela arrogância, Gould foi admirado e invejado, reverenciado e apedrejado por colegas.
Nascido em 10 de setembro de 1941, em Nova York, Gould deu seus primeiros passos na direção da carreira de paleontólogo quando tinha 5 anos, em uma visita ao Museu Americano de História Natural, acompanhado por seu pai, um estenógrafo de tribunal.
"Eu sonhava me tornar um cientista, em geral, e um paleontólogo, em particular, desde que o esqueleto do tiranossauro me encantou e me apavorou", ele escreveu certa vez. Com uma infância e uma adolescência cheia de fósseis e dos Yankees, ele estudou na Escola Pública 26 e na Jamaica High School. Fez então geologia no Antioch College, em Ohio.

Mudanças repentinas
Em 1967, ele recebeu um doutorado em paleontologia da Universidade Columbia e foi lecionar em Harvard, onde ele passaria o resto de sua carreira. Mas foi na escola de graduação que Gould e um colega, Niles Eldredge, agora um paleontólogo do Museu Americano de História Natural, começaram a plantar a semente do mais famoso dos debates que ele iniciou.
Ao estudar o registro fóssil, os dois estudantes não puderam encontrar a mudança gradual e contínua nas formas fósseis que, ensinaram a eles, seria o material da evolução. Em vez disso, eles encontraram aparições repentinas (no tempo geológico) de novas formas de fósseis seguidas por longos períodos em que esses organismos mudaram bem pouco.
Os biólogos evolutivos sempre atribuíram essas dificuldades à famosa incompletude do registro fóssil. Então, em 1972, os dois propuseram a teoria do equilíbrio pontuado, que sugeria que tanto as aparições repentinas quanto a falta de mudanças eram reais.
Segundo a teoria, houve longos períodos de tempo, algumas vezes milhões de anos, durante os quais as espécies mudavam pouco, quando muito. Intermitentemente, novas espécies surgiam e havia uma rápida mudança evolutiva em uma escala de tempo geológica (ainda interminavelmente lenta para escalas de tempo humanas), resultando em uma súbita aparição de novas formas no registro fóssil. Ou seja, pontuações de mudança rápida contra um fundo de equilíbrio constante, daí o nome da teoria.

Arquitetura
Gould e Richard Lewontin, também de Harvard, logo trabalharam sobre a importância de como os organismos são construídos, ou sua arquitetura, em um famoso estudo sobre uma característica das construções conhecidas como tímpanos.
Os tímpanos, espaços nos cantos sobre um arco, existem como um desfecho necessário da construção sobre arcos. Do mesmo modo, eles argumentavam, certas características dos organismos existem apenas como resultado de como um organismo se desenvolve ou é construído. Logo, os cientistas deveriam evitar assumir que toda característica existe por algum propósito adaptativo.
Gould também foi atacado por críticos vorazes e importantes. Alguns desses cientistas acusaram suas teorias, como o equilíbrio pontuado, de serem tão maleáveis e difíceis de definir que eram essencialmente intestáveis.
Depois de proclamar certa vez que Gould havia trazido a paleontologia de volta à alta roda da teoria evolutiva, John Maynard Smith, da Universidade de Sussex, no Reino Unido, escreveu que outros biólogos evolutivos "tendem a vê-lo como um homem cujas idéias são tão confusas que raramente vale a pena se preocupar com elas". Às vezes essas críticas caem na chamada "Gould-pataquada", onde as acusações são tão pessoais quanto intelectuais. O equilíbrio pontuado, por exemplo, já foi chamado de "evolução para idiotas".
Alguns que estudam evolução em menor escala dentro de espécies, chamados de microevolucionistas, rejeitam seus argumentos de que há características singulares para a grande escala, ou macroevolução. Em vez disso, eles dizem que a macroevolução é nada mais que a microevolução agindo sobre longos períodos.
Outros o criticaram por defender teorias que desafiam partes do escopo moderno darwinista, um ato que alguns vêem como ajuda e aprovação aos criacionistas. Mesmo tendo Gould sido um oponente visível aos esforços de tirar a evolução das salas de aula.
A maioria das pessoas conhecia Gould como um ensaísta divertido. A ele foi atribuída a salvação da arte moribunda do ensaio científico, ao contar histórias de insight científico juntando idéias ou coisas não-relacionadas (ele começou um ensaio juntando Abraham Lincoln e Charles Darwin, ao notar que os dois nasceram no mesmo dia).
Gould também popularizou idéias evolutivas em Harvard, algumas vezes descobrindo suas salas lotadas. Mas enquanto suas histórias de aventura tipicamente aconteciam na biblioteca, colegas diziam que Gould, cuja especialidade eram moluscos Cerion, das Bahamas, também era impressionante no trabalho de campo.
Gould recebeu inúmeros prêmios e honrarias, inclusive a bolsa "de gênio" da Fundação MacArthur, no primeiro ano em que foi concedida. Ele serviu como presidente da Associação Americana para o Avanço da Ciência, foi um membro da Academia Nacional de Ciências. Ele foi professor Alexander Agassiz de zoologia em Harvard e professor pesquisador visitante Astor de biologia na Universidade de Nova York.
Certa vez ele escreveu: "Adoro o amargo mote da Sociedade Paleontológica (tanto literal quanto figurativamente, para os marteladores da principal ferramenta de nosso negócio): Frango ut patefaciam -eu quebro para revelar".



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