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Grupo nos EUA fabrica 1ª célula sintética
Bactéria cujo DNA foi montado totalmente a partir de informações vindas de computador ganha vida e passa a se replicar
Feito coroa trabalho de 15
anos de grupo do americano
Craig Venter e prova que
a vida não precisa de uma
força especial para existir
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não é ainda vida artificial
criada do zero, mas é quase.
Após 15 anos de esforços e gastos de US$ 40 milhões, cientistas nos EUA construíram a primeira célula viva sintética.
Trata-se de uma bactéria cujo DNA foi inteiramente sintetizado a partir de informações
contidas num computador e
depois inserido num micróbio
"oco", sem DNA. Este foi "reinicializado" e passou a se replicar, dando origem a colônias de
células sintéticas.
"É a primeira espécie que se
replica que tivemos neste planeta cujo pai foi um computador", diz o líder da pesquisa, o
americano Craig Venter.
O polêmico cientista e empreendedor, famoso por ter liderado o esforço privado de sequenciamento do genoma humano (o dele próprio) na década passada, não economizou
palavras sobre o feito: "estamos
entrando em uma era limitada
apenas pela nossa imaginação".
"É um passo importante tanto cientificamente como filosoficamente. Certamente mudou
minhas visões das definições da
vida e de como a vida funciona",
declarou o pesquisador, cujo
trabalho foi publicado on-line
ontem pela revista "Science".
"O feito de Venter parece liquidar o argumento de que a vida requer uma força ou um poder especial para existir. Na minha visão, isso o torna um dor
feitos científicos mais importantes da história da humanidade", disse o bioeticista Arthur Caplan, da Universidade
da Pensilvânia. Ele comentou o
estudo para a revista "Nature".
Outros cientistas veem o feito com mais cautela. Para o Nobel de Medicina David Baltimore, Venter "superestimou a
importância" do trabalho. Para
Baltimore, trata-se de uma façanha técnica, mas não de uma
revolução conceitual.
Para que serve
A criação de micróbios com
genomas sintéticos serviria para facilitar a produção de vacinas, para a produção de combustíveis ou para sequestrar
gás carbônico do ar.
A ideia é levar a engenharia
genética ao extremo, construindo DNA que permitisse à
criatura produzir proteínas que
não produziria de outra forma.
Venter e seus colegas partiram da sequência do genoma (o
conjunto dos genes de uma
criatura) conhecido de uma
bactéria e montaram uma versão sintética, "como quem tem
uma caixa de Legos e tem de
montá-los na ordem correta".
Duas bactérias parecidas foram usadas. A equipe sintetizou o genoma da espécie Mycoplasma mycoides, com alguns
acréscimos e cortes para servir
como forma de identificação
(por exemplo, fazendo a bactéria ficar azulada), e transplantou os genes artificiais na sua
"prima" Mycoplasma capricolum. Ou seja, apenas o genoma
era sintético, não a célula toda.
O grande feito foi fazer o genoma sintético "religar" a célula e transformá-la em uma nova
espécie. Venter compara o trabalho com computação. O que a
equipe fez foi trocar o "software" do sistema operacional e fazer um computador inoperante
voltar a funcionar.
A espécie artificial foi batizada como Mycoplasma micoides
JCVI-syn1.0, sigla para "organismo sintético do James Craig
Venter Institute 1.0".
Venter e seu colega Daniel G.
Gibson primeiro trabalharam
com uma bactéria com o menor genoma conhecido, a
Mycoplasma genitalium, com
600 mil "letrinhas" (as bases
químicas do DNA) e 500 genes.
Em 2008, eles já tinham conseguido criar um cromossomo
artificial com essa bactéria.
Mas, como a M. genitalium demora para crescer, Venter trocou a bactéria por uma com genoma maior (1 milhão de bases), mas de crescimento bem
mais rápido, a M. mycoides.
O pesquisador fundou a empresa Synthetic Genomics para
comercializar eventuais aplicações das pesquisas.
Reações
Ambientalistas reclamaram
da pesquisa ontem. A ONG
Amigos da Terra rogou a Venter que parasse suas pesquisas
enquanto não houvesse regulamentação do governo dos EUA
sobre micróbios sintéticos. O
medo é que essas novas criaturas escapem para o ambiente.
Venter diz que seu trabalho
tem sido analisado por comitês
de ética acadêmicos e governamentais desde 1995.
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